Antes de olhar o Estado e suas configurações, olhar o
indivíduo. Pensar o querer geral e ser racional (lembrando Immanuel Kant) e
também perceber a relação dos seres com os espaços a partir do interesse e suas
vertentes diversas. Os indivíduos com objetivos específicos, interesses
pessoais se tornam seres sociais. Os seres sociais buscam estabelecer um
ordenamento embasado no interesse coletivo. Todavia, o interesse coletivo é por
muitas vezes uma roupagem aceitável do Interesse Dominante. Ou seja, um indivíduo
articula seu interesse pessoal de forma a viabilizá-lo como o interesse de um
ser social com potencial de se transformar em interesse coletivo. Por
persuasão, submissão ou identificação para alcançar fins pessoais, outros seres
sociais tornam-se adeptos do interesse proposto tornando-o Coletivo. Quando
analisado em profundidade, este interesse nada mais é do que o interesse
dominante não de um grupo, mas de um ser com poder articulador às vezes
imperceptível em sua ação, mas evidente em suas consequências.
O aspecto moral dos modelos de socialização do poder e
modelamento econômico deve ser considerado para redefinir a Ordem Social de
forma a fortalecer o Estado Contemporâneo, conforme aborda Keynes, baseado em
liberdade (livre mercado) com maior participação do Estado (moderador). Essa
base liberal onde acesso e oferta são instrumentos de moderação do Estado
merece atenção para compreender os desdobramentos na contemporaneidade. Keynes
defendia processos abertos, passíveis de manutenção (ex: capitalismo) onde a
liquidez é uma instância de consumo, entre o presente e futuro.
As demandas sociais pertinentes são então vistas como
questões periféricas. Atributos como o Pleno Emprego se instala como elemento
fundamental para o bem-estar social. Assim, os mecanismos de controle do
planejamento político evocaram dos players maior conhecimento e domínio de
mercado e finanças (Uma vez que o estado na era do Welfare não controlava
efetivamente as práticas econômicas privadas, nem sob o aspecto de produção), e
compreender modelo de negócio (produção / demanda / mercado / consumo). Neste
cenário, com a premissa de exercer o referido controle e participação, o Estado
busca promover melhor distribuição e organização dos recursos e promover
melhorias na remuneração em busca do Bem-estar social. Lembra muito o projeto
de Renda Mínima do ex-senador da república Eduardo Suplicy (Renda de Cidadania:
A Saída É Pela Porta). Realidade ou utopia? Mecanismo de alienação ou acesso
social a recursos?
Reformas sociais então transitam entre assistencialismo e
distanciamento social sob um viés de redistribuição igualitário de recursos e
riquezas, com nuances de concessão de poder, nem que seja de consumo.
As configurações do poder esbarram em aspectos recorrentes
da organização social, em função de muitas vezes serem especificidades do ser
humano. A estabilidade (via plano emprego) tornou-se, na contemporaneidade, o
"ouro de tolo" da população, manejada agora por uma nova configuração
política. Configuração na qual a esquerda, ou nova esquerda como se refere o
autor (Deborah Farah) surge com um viés mais articulador do que extremista,
fugindo de um capitalismo radical e de um socialismo burocrático por demasia. A
demanda pujante por um novo Estado reflete o nascimento de uma nova sociedade,
com outro poder de posicionamento de suas demandas e modo de exercer pressão.
Há então uma demanda significativa por mais agilidade na dispersão e homogeneização
social das narrativas de poder e controle; fato que pressionou mudança em
plataformas e narrativas de comunicação e repasse de informações. A massa
exerce pressão sobre o Estado em busca de respectivos direitos.
O Estado então, decisório da política, precisa de uma
licença social. É necessário que a população (concordando ou não) aceite e valide
o processo político para que a diretriz do estado seja executada e permaneça
vigente. Os conflitos sociais que antes perpassavam o choque entre classes (Burguesia
e Operariado) agora se instala em individualidades e seus valores (gênero,
sexo, profissão, e etc.) e não em ideologias de massa. Portanto, entidades
representativas, tais como Sindicatos, perdem poder de mobilização e interferência,
fato que leva o Estado a formar redes de colaboração com a iniciativa privada,
essa que se tornou parceira mais presente nas políticas públicas. A voz da
sociedade, sua participação, é compreendida então pelo Estado como algo
fundamental para a construção da democracia, porém arbitrariedade (exercida
pelo Estado ou órgão regulador) é o que regula e viabiliza processos
democráticos.
Como já disse em outro texto, a globalização estimulou a integração de padrões
territoriais de modo a possibilitar o diálogo de “tribos”, de suas demandas,
anseios e oportunidades de saciá-las além fronteiras; considerando demandas e
anseios nos aspectos culturais, econômicos, intelectuais, de subsistência e
desenvolvimento.
Neste ínterim, a arte e suas diversas concepções, tornou-se
instrumento essencial de manutenção dos padrões sociais; tanto para reafirmar
quanto para romper paradigmas e sobrepor dogmas. Desta forma, a noção de identidade
de um ator social depende de suas singularidades enquanto indivíduo e de sua
interação na paisagem social, perpassando pelas influências em “si” dos
produtos culturais que consome, acessa ou até mesmo reproduz. Isto pode ser
observado nas dinâmicas de apropriação e ocupação territorial e interações
consequentes, definindo regras e limites, espaço público e privado. Portanto,
percebe-se cada vez mais que identidades culturais volúveis e segmentadas tomam
lugar de destaque social ante as identidades culturais tradicionais, fato que
evoca mudança na maneira de transmitir a história a gerações futuras.
Outro viés da Globalização é a mudança do mercado e seu
controle. Pois agora a demanda não dita as regras, mas os fluxos de
sobrevivência e competitividade também interferem no processo, uma vez que
geram fluxos que vão além de demandas existentes, criando outras
"necessidades" que até então a sociedade não imaginava e o Estado nem
concebe uma forma de gerir, moderar ou participar. Esse novo cenário propicia
mudanças nas relações de trabalho e dispersão de produção e produtos, com certa
flexibilização que reorganiza o consumo. A nova organização econômica passa
então empodeirar o sujeito enquanto consumidor de inovações, gerador de novas
demandas. Estabelece-se assim nova ruptura no modelamento estrutural do Estado, que vê suas premissas escorrerem junto à chuva da vanguarda.
Publicado também em minha página no Obvious - http://obviousmag.org/rumos/