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terça-feira, 3 de julho de 2018

sangria



Era a sangria de um dia frio. Ele não sabia se o gosto do café era prosa ou verso. Bebia descomedido, em copos. Os acontecimentos ao redor não tinham corpos. Apenas fluxos.

"Eu vou comer realidades para cagar suas ilusões". Comer realidades; defecar suas ilusões. A congestão da alma ao tocar o espelho no balanço do vento que me revela. A sanidade de outrora agora convergira na atrocidade de palavras ácidas (será algo que comido foi?) e olhares ávidos por aconchego. A paz que excede o entendimento vem no alento que ultrapassa a rima. As pegadas da madrugada não deixam marcas, nem quando do céu desce orvalho, cobrindo-nos. Nus.

O que foram dedos entrelaçados de mãos cansadas, tornaram-se o monumento soterrado no canto da sala, onde nem as aranhas arquitetam.

Passado está o tempo das encruzilhadas. Momento sutil onde todas as possibilidades estiveram pujantes, latentes, extremamente atrativas e com potencial de sucesso. Feita a escolha... o caminho continua e você apenas vê, numa paralela que se afasta em outra dimensão, aquilo que fora possibilidade e que agora é uma pintura viva na paisagem. O vento à face é um virar de páginas em que percebemos por um instante a sobriedade de seguir.

As ilusões diárias são nutridas para distrair o indivíduo continuamente e abstê-lo de refletir sobre sua passagem no tempo e não a passagem do tempo por ele. O automatismo que garante a fluência social é a trava para a evolução buscada.

Cada momento ruminado, na certeza de que se apressado ou lento tudo acontece, ou não. Assim, a caminhada, pensada e repensada no caminhar pode revelar que os rumos, os tempos, os fins, finais e inícios são apenas aspectos, pontos de referência em uma teia que vai além das três dimensões, do mecanismo de criar e sobrepor padrões; da dinâmica de gerar e se entrelaçar aos significantes.

A digestão das ideias, a congestão dos sentimentos. O sono aconselha o inquieto enquanto reorganiza os móveis dos questionamentos no salão dos ideais do amanhecer.



quarta-feira, 5 de abril de 2017

trêmulos



"Quien me quiera amar,
Amará tambien lo peor de mi, con ardor", Buika.

O copo de água balançava as emoções em uma mão. Os jornais escorregavam por entre os dedos, as palavras fugiram dos trêmulos lábios diante da proximidade de tanto amor. O olhar que brilha, sem motivo, sem palavras. As mãos que se tocam, sem grandes intenções, mas um futuro encantador. Chega a ser covardia a maneira como uma simples presença desestabiliza todo o personagem. Chega a ser sublime o modo como a verdade descortina o amor e extirpa ilusões de um voo errante do beija-flor.

"Necesito amar
Quiero ser la luz que besa la flor
Necesito amar
Ser la flor que se da solo con pasión", Buika 

Decisões trêmulas de emoções firmes. O contraponto constante das rimas que fustigam expectativas e consolidam a realização de sonhos possíveis. A curva que o cabelo faz pela testa, pela cabeça, repousando nos ombros. O olhar, que reluz, a pele, que pede o toque que não vem. O tempo, esse faceiro a permear o que se pensa, o que se faz, o que se espera. Envelhecemos sempre jovens.

Um olhar pela janela e percebe-se que com muito trabalho de conscientização e educação consegue-se fazer com que o cidadão aprenda a recolher seu lixo material e destinar corretamente os resíduos que gera. Embora seja perceptível que muitos ainda não evoluíram a este ponto.

O lixo físico (um dos componentes do lixo social) é fator limitante do desenvolvimento e crescimento de um povo. Uma pessoa gera em média uma tonelada de lixo por ano. O custo direto desse lixo é de aproximadamente R$ 200,00 ( por tonelada para recolher e aterrar - não tratar). Em uma casa você consegue guardar o lixo por alguns dias. Levantamento divulgado pelo Instituto Trata Brasil, em parceria com GO associados, revela que 50,3% dos brasileiros tinham acesso à coleta dos esgotos em 2015, porém somente 42% eram tratados. Cerca de 34 milhões de brasileiros não tinham acesso a água tratada. Ministério Meio Ambiente anuncia para 2017 R$ 23 milhões para projetos de recuperação de nascentes. Mas depois precisa transferir. Agora aumente a escala, imagine a cidade e essa nossa natureza de transferência (de responsabilidade, culpa, conceitos, valores, de lixo). Expandir suas fronteiras significa reduzir, recuar a de outrem. A busca por espaço impacta em perda para alguém. Se esse alguém não tem voz, sua perda tem valor? A ebulição social chamada evolução humana responde com diversos fatos e geraç
ões. Não sabemos como processar e redimensionar os padrões de uso dos recursos.

Contudo, vale uma nova reflexão quando se fala em sustentabilidade perene: o sujeito social não compreende o impacto dos lixos emocionais e morais que espalha e impõe enquanto interage em grupo social ou até mesmo com um outro sujeito específico. Consequentemente, ele não se responsabiliza por mitigar tais impactos e recolher os lixos emocionais e morais que  deixa em relacionamentos afetivos e profissionais.

O eixo dos seus desejos determina como seu mundo irá girar. O seu lixo me fala sobre você, ele carrega seu cheiro, seus lamentos e suas mentiras. As suas verdades evaporam no suor dos lençóis das ilusões que alimenta. O lixo social, emocional, espiritual e físico. Para qual deles há tratamento, responsabilização, mitigação de impactos, reeducação do modo de gerar.

Lixos emocionais e espirituais estrangulam as relações. O que fica são versos, lampejos de um silêncio que grita na chuva, no vento, fora das palavras. Então teus lábios caminham sobre minha carne exposta. Sobre mim, em carne viva, derramando o sangue que me aquece e mantém minha sanidade pujante.

Uma vida em porta-retratos, uma vida na paisagem capturada pelo olhar a paisagem. Meu coração camafeu, minha mente cheia de amor. A redundância de possibilidade. Sigo na instância que se tornou o olhar. Procuro pairar, enquanto escolhas cortam o tempo ou a ele sucumbem. Misturado às cores percebo mais uma vez mudar meu sabor, meu lugar, meu ar. Sutil, leve, o sentimento se embrenha nos sabores, nas rimas de meu silêncio. O sentido me envolve como notas de uma canção bela, como as gotas de uma chuva plena, como a textura de seu corpo sobre o meu, e seu destino ao meu lado.





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segunda-feira, 30 de maio de 2016

Bias tão nossas


 

Tantas são elas, que controlam nosso corpo, delineiam no horizonte o alcance de nossos braços, o ritmo dos passos e a ousadia dos olhares. Fazem morada no indivíduo a ponto de se confundir com a identidade de quem as possui, ou por elas são possuídos. Entrelaçados a elas buscamos aprimorar o reflexo do espelho sem nos ferir gravemente com os cacos. Bias, tão nossas. Bias nada fofas que dão medo "Medo que dá medo do medo que dá".

As ruas e noticiários têm sido pautados pelas nossas fobias. Lampejos de virtudes, de harmonização social até incitam certo frescor no olhar, mas, no entanto, nossas fobias nos pautam. Seria bom se fosse para refletirmos sobre como vivenciar e transpor as intempéries das fobias; mas o que vemos é o registro das consequências de medos maturados em seres despreparados. Pessoas queimadas, corpos mutilados, redes sociais congestionadas, diálogos violentados, matriz energética estagnada, ciclistas, motociclistas, pedestres e motoristas em vias de guerra, guerra urbana, umbigos gritam em palanques, cidadania encarcerada, relacionamentos dilacerados por um utópico e cruel bem comum, que não vem.

Percebemos a fobia como a expressiva materialização da angústia de um medo; vemos o empoderamento de uma castração psicológica que porventura pode estar em segundo plano na mente do indivíduo, mas que é base para as atitudes quase que automáticas; com consequências que transformam não apenas a identidade e caráter de seu possuidor, mas que reverberam no ambiente e em seu respectivo equilíbrio.

As atitudes provindas delas são recorrentemente um instinto de autopreservação que muitas vezes gera agressão ao próximo. Esse medo de que sua identidade e seus valores percam espaço na organização social, de forma a ter supostamente corrompidas suas virtudes, diminuídas suas articulações políticas e sociais, faz com que o indivíduo rejeite a diferença, obstrua o caminho da diversidade, e levante o estandarte de uma moderna inquisição, onde a intolerância grita e pune contra o outro, contra o plural. Mas a existência do diferente não pressupõe que seja soterrado ou exterminado o outro, na verdade se trata de uma flexibilização de perspectivas. Há espaço e tempo para todos.

"Tienen miedo del amor y no saber amar / Tienen miedo de la sombra y miedo de la luz / Tienen miedo de pedir y miedo de callar / Miedo que da miedo del miedo que da (Miedo - Lenine - composição: Pedro Guerra/Lenine/Robney Assis)"

Dalgalarrondo (2006 - apud Mira y López 1964) apresenta o medo como uma alteração dos aspectos emocionais que desencadeia em escalas até a sua inativação, tomando determinada proporção até que o indivíduo alcance estabilidade. Essa leitura concebe seis fases de acordo com a intensidade e abrangência: 1. Prudência; 2. Cautela; 3. Alarme; 4. Ansiedade; 5. Pânico (medo intenso); 6. Terror (medo intensíssimo). Sendo assim, as fobias podem ser encaradas como medos exorbitantes, descomunais, desproporcionais, atrofiadores. O contato com o objeto de fobia estabelece crise, com profunda inquietação e ansiedade por parte de quem possui a fobia. Neste instante de pânico não há lugar para a razão e sobriedade, mas apenas o raciocínio lógico de se livrar do objeto da fobia, seja impondo distância, fugindo, ou agredindo, tentando extirpar da existência. Neste sentido, é possível estabelecer uma relação preliminar: Fobia – Julgamento (da situação) – Punição (do objeto que causa fobia). Essa punição é materializada na intolerância.

A matéria de capa da Revista Puc Minas (Intolerância – Profunda reflexão sobre atitudes hostis e desrespeitosas que têm marcado o mundo contemporâneo. Ed 13 – 2016) apresenta de maneira contundente como “nossas bias” têm interferido na sociedade por meio de uma intolerância enraizada, que abrange aspectos religiosos, políticos, sexuais e raciais. Intolerância essa verificada em gestos, em vocabulários, conceitos visuais, e ordenamento social, estabelecendo-se como fator cultural. No contra-fluxo das atrocidades humanas está o processo de renúncia e denúncia. Denúncia por meio de multiplataformas (oficiais ou não) e renúncia (por meio de movimentos de contracultura) a um padrão de comportamento que só nos distancia do famigerado mundo melhor.

O que seu medo te impulsiona? No que ele te castra? Como ele torneia sua personalidade? Medo ou fobia de insetos, de situações, de ambientes, de sensações, de cheiros, materiais, de sons e até mesmo de sabores. Uma breve pesquisa na internet e você encontra listas de fobias (cada um que até impressiona existir). Contudo, assustador é observar e presenciar como os desdobramentos do medo da diferença, o medo de não controlar e sim ser parte integrante de um grupo social, traçam a realidade. Desdobramentos que podemos resumir em fobia de pessoas. Homofobia, Heterofobia, Transfobia, Politicofobia e polifobias possíveis. Bias traiçoeiras, desde o modo como se instalam na sociedade, até a estratégia de disseminação e ideais para contaminação de novos adeptos. Que as fobias recorrentemente trabalhadas no agenda setting possam nos provocar a uma efetiva melhoria, a partir de pensamentos consonantes para aceitação do plural, contribuindo para uma evolução continuada do modo de perceber a vida e se integrar à paisagem, relacionando uns com os outros sem se perder em utopias, mais ainda assim permitindo sonhos que libertem-nos das bias e elas de nós.

 
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