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quinta-feira, 31 de agosto de 2017

descalço



O coração caminha descalço no arcabouço de um dia sem ar. O suspiro esmura o tempo em busca de refrigério, mas o eco não há de libertar, apenas devolve distorcida a ferida de um pesado pensar.
Olhos cerrados florescem um novo dia.

domingo, 7 de maio de 2017

Raspas



O apagar as luzes da sala de teatro é abrir uma nova dimensão dentro de nós. Somos, na plateia, um novo personagem na trama. Os conceitos se transformam no silêncio. Vivenciamos ao mesmo tempo o personagem que somos e a persona que assistimos. Não era o que se esperava, pois o que esperava era o que ali não haveria naquelas circunstâncias. O tremor, as sirenes, os suspiros. As paredes não abraçam, não contêm nem libertam. Deveria estender mais o olhar para perceber dobrar ao longe de sua face o frescor de um novo dia. Deveria ter atentado para os detalhes da crueldade dos olhos que brilhavam no escuro. A sanidade encontrada na desilusão.

O pouso do beija-flor e seu voo. Antecede a flor. Rompe o broto o solo úmido. Fere a terra para crescer, busca a luz sem alçar um olhar, estende seus ramos, firma-se no horizonte. Entre brisa, orvalho, pleno sol, chuva, luz. Entre folhas, floresce. Começa então seu outro momento, à espera de um beijo. O corpo que se curva ao vento, reconhece seus membros, aprende a voar. Aprende a se apaixonar.

Áspero, sua suavidade desanuviou na textura de suas lembranças. Assim, ela  seguiu sem sentir seus dedos se entrelaçarem na mão de quem puramente a ama. Flor. Escolheu o luxo, e as mentiras, abraçou a conveniência, o ensaio ao invés do pleno ato. Despetalada. Cozia suas memórias alinhavando com suas dores. Mas o bom ator sabe que não há atuação dentro da própria mente. O corpo é o próprio texto para quem sabe ler em braile. O Corpo manifesta o que as falas do personagem não conseguem transmitir. A luz é uma narrativa à parte (como em Urgente da Luna Lunera). O tempo é diretor, regente, é argumento, é personagem.

Quando confiança perdeu as palavras, me calo, me castro, me rompo em simplicidade uma vez que meu aberto universo não repousa em conceitos cotidianos. A medida da beleza submetida ao rigor de um outro olhar, perpassa o coração e faz mais uma vez florir. Não é o prédio que está caindo. O beija-flor alça seu olhar, renova seu voo, transforma-se no silêncio, esse anjo.

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quarta-feira, 5 de abril de 2017

trêmulos



"Quien me quiera amar,
Amará tambien lo peor de mi, con ardor", Buika.

O copo de água balançava as emoções em uma mão. Os jornais escorregavam por entre os dedos, as palavras fugiram dos trêmulos lábios diante da proximidade de tanto amor. O olhar que brilha, sem motivo, sem palavras. As mãos que se tocam, sem grandes intenções, mas um futuro encantador. Chega a ser covardia a maneira como uma simples presença desestabiliza todo o personagem. Chega a ser sublime o modo como a verdade descortina o amor e extirpa ilusões de um voo errante do beija-flor.

"Necesito amar
Quiero ser la luz que besa la flor
Necesito amar
Ser la flor que se da solo con pasión", Buika 

Decisões trêmulas de emoções firmes. O contraponto constante das rimas que fustigam expectativas e consolidam a realização de sonhos possíveis. A curva que o cabelo faz pela testa, pela cabeça, repousando nos ombros. O olhar, que reluz, a pele, que pede o toque que não vem. O tempo, esse faceiro a permear o que se pensa, o que se faz, o que se espera. Envelhecemos sempre jovens.

Um olhar pela janela e percebe-se que com muito trabalho de conscientização e educação consegue-se fazer com que o cidadão aprenda a recolher seu lixo material e destinar corretamente os resíduos que gera. Embora seja perceptível que muitos ainda não evoluíram a este ponto.

O lixo físico (um dos componentes do lixo social) é fator limitante do desenvolvimento e crescimento de um povo. Uma pessoa gera em média uma tonelada de lixo por ano. O custo direto desse lixo é de aproximadamente R$ 200,00 ( por tonelada para recolher e aterrar - não tratar). Em uma casa você consegue guardar o lixo por alguns dias. Levantamento divulgado pelo Instituto Trata Brasil, em parceria com GO associados, revela que 50,3% dos brasileiros tinham acesso à coleta dos esgotos em 2015, porém somente 42% eram tratados. Cerca de 34 milhões de brasileiros não tinham acesso a água tratada. Ministério Meio Ambiente anuncia para 2017 R$ 23 milhões para projetos de recuperação de nascentes. Mas depois precisa transferir. Agora aumente a escala, imagine a cidade e essa nossa natureza de transferência (de responsabilidade, culpa, conceitos, valores, de lixo). Expandir suas fronteiras significa reduzir, recuar a de outrem. A busca por espaço impacta em perda para alguém. Se esse alguém não tem voz, sua perda tem valor? A ebulição social chamada evolução humana responde com diversos fatos e geraç
ões. Não sabemos como processar e redimensionar os padrões de uso dos recursos.

Contudo, vale uma nova reflexão quando se fala em sustentabilidade perene: o sujeito social não compreende o impacto dos lixos emocionais e morais que espalha e impõe enquanto interage em grupo social ou até mesmo com um outro sujeito específico. Consequentemente, ele não se responsabiliza por mitigar tais impactos e recolher os lixos emocionais e morais que  deixa em relacionamentos afetivos e profissionais.

O eixo dos seus desejos determina como seu mundo irá girar. O seu lixo me fala sobre você, ele carrega seu cheiro, seus lamentos e suas mentiras. As suas verdades evaporam no suor dos lençóis das ilusões que alimenta. O lixo social, emocional, espiritual e físico. Para qual deles há tratamento, responsabilização, mitigação de impactos, reeducação do modo de gerar.

Lixos emocionais e espirituais estrangulam as relações. O que fica são versos, lampejos de um silêncio que grita na chuva, no vento, fora das palavras. Então teus lábios caminham sobre minha carne exposta. Sobre mim, em carne viva, derramando o sangue que me aquece e mantém minha sanidade pujante.

Uma vida em porta-retratos, uma vida na paisagem capturada pelo olhar a paisagem. Meu coração camafeu, minha mente cheia de amor. A redundância de possibilidade. Sigo na instância que se tornou o olhar. Procuro pairar, enquanto escolhas cortam o tempo ou a ele sucumbem. Misturado às cores percebo mais uma vez mudar meu sabor, meu lugar, meu ar. Sutil, leve, o sentimento se embrenha nos sabores, nas rimas de meu silêncio. O sentido me envolve como notas de uma canção bela, como as gotas de uma chuva plena, como a textura de seu corpo sobre o meu, e seu destino ao meu lado.





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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

sutil




O pássaro. Uma família, Trochilidae. Várias espécies; várias flores. Lábios a serem beijados como versos a serem traçados. O segredo do beijo, o segredo do voo, o mistério do olhar. Ele encanta pelo que é, pelo que faz e me faz. O amor em letras é carne dos versos desse dorso, corpo poesia.

O peso. O dia que não se explica, mas embarga o choro. O pensamento; o gesto que a palavra não suporta, não carrega e nem traduz. Sutil, ele segue seu voo.


segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

climáticas mudanças


Alternância conceitual, sensações dançam em um frenético ritmo, o do silêncio. A mudança. Felicidade. Busca. A inquietação alimenta estigmas da humanidade que pulsam na iminência de encontrar a peça que lhe falta no quebra-cabeça. Uns vivem ignorando este fato, e se atêm às praticidades da vida (seja por necessidade - princípio básico de foco na sobrevivência - ou por simples alienação pelo conforto de apenas fluir), outros enlouquecem a percebê-lo. E sempre há os que transitam pela cidade das sombras sabendo a verdade de Shell Beach, mas ainda querendo refrescar-se nela.

Calmas águas levam sentimentos para o mar. Terra, peixes, madeira e algumas estrofes despedaçadas. Ele não sabia que parte dele também ia naquele rio. Parte que ele nem sabia que dele um dia já foi.

Sorrisos trincados rompem o horizonte. A sala se enche de uma expectativa morta, de uma sensação estranha de esmagamento, a partir de dentro. Os olhos indicam um coração espremido. Prestes a transbordar, o olhar toma as rédeas dos pensamentos e alça voo.

Sutil como um raio rompe o céu. Algumas situações fazem estrago pela sutileza que carregam. O estrondo posterior apenas é lamúria fúnebre de uma emoção sepultada, de um agonizante sentimento que outrora pujante exalava beleza.

De todo o papel gasto, que palavras faltam? Quais sobram? O amor posto à prova, perpassa chuva, sol e desconstruções. Se morre, era mesmo ele amor? ou ensaio? se vivo, permanece o que há de ser? "O amor, quando nasce, só vê a vida, o amor que dura vê a eternidade". Victor Hugo in 'Carta a Juliette Drouet'

Climáticas, mudanças despontam no horizonte. Brilha.


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sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Felinos




Cultivava a diferença. Era o que sentia em suas veias. Era o que fluía em seus gestos. Não conseguia deixar de contaminar as pessoas com a leveza de olhar a vida. Eram rosas diferentes. Eram sabores diferentes. Eram pessoas exóticas pela peculiaridade de serem únicas. Ele não conseguia ser impessoal. Envolvia-se por completo, com intensidade, muitas vezes sem a devida sanidade, mas a pujança de um sentimento sem amarras, sem lógica, sem falsidades. Assim ele conseguia as marcas, pintura rupestre na derme, o tempo que passa revelando momentos de gozo e de dor.

O ritmo da caminhada. Impossível definir se é o prenúncio da fuga, da caça, ou de uma jornada compartilhada. O que há no olhar dos felinos? Hipnotizantes, sóbrios, poderiam eles nos falar sobre as consequências da vida? Explicar os desdobramentos das escolhas? O olhar de um cão compartilha do mesmo espaço tempo, troca emoções e percepções do presente, o dos felinos parecem vir de um tempo onde sabem o que somos, para onde iremos, e o que sentimos. Há felinos de olhos azuis, castanhos, verdes, que brilham, que ferem e afagam. Sempre instigam.

Certo como a luz do sol a passar pela fresta da cortina e se instalar sobre a mesa. O sentimento não era de dúvida. Tocou a mão dela e apertou por uns instantes, de modo intenso, com carinho, com desejo. Ela respondeu ao toque, não importava o significado, tampouco o porvir, valia mais o momento que experimentavam ali. Ela o olhava no escuro, entremeio flashs de postes, com um brilho nos olhos. Ele a olhava com ternura, segurando-se para não unir os poros, os lábios, os destinos.

Os ponteiros e o fatídico "mas" interrompeu aquele encontro, sem selo, sem ponto. Deja vu. Assim como cada qual vivencia diversos desses momentos em particular universo, eles tiveram novamente o seu momento. Complicado. As leis da física não consideram o poder da vontade e a interferência do pensamento. A memória construiu-se então de uma série de momentos que pela sutileza delineiam um sentimento que enobrece o olhar, o suspiro, a libido. O tempo apura este sentimento cada vez mais. Complexo.

Quando o exótico atrai pela diferença, pela inquietude que gera. Como um filme de Almodóvar integra ao nosso olhar um tom de estranhamento aos padrões sociais. Assim, os dias se renovam nesta orgânica festa que gira em torno da estrela.

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sexta-feira, 9 de setembro de 2016

entre jardins



O que nos faz caminhar à terceira margem do Rio? Os sentimentos que lapidam nossa identidade ou a atrofia provinda de um cotidiano que soterra o indivíduo com tantos padrões? A música é mais do que um ritmo a movimentar corpos. A música transcende nossos pensamentos, sonhos e flagelos. Ela é capaz de nos libertar, ferir e confortar; compreender e questionar. Em alguns dias, ela pode até mesmo transportar nossa mente para longe de uma realidade exaustivamente sufocante.
Seja a partir das linhas libertadoras de Guimarães Rosa e as diversas possibilidades da terceira margem deste rio chamado realidade, ou no transcorrer de Severed Garden de Morrison, a mente fica inerte enquanto reverbera no corpo um pensamento transformador. O que “si” busca? Seja se encontrar, estar em paz ou até mesmo feliz.

A famigerada felicidade em sua utópica plenitude não deve ser considerada sobre os aspectos dos rótulos sociais presentes nos mecanismos de consolidação de padrões sociais (Escolas, Mídia, religião e famílias). O tão proclamado “conheça-te a ti mesmo” é fator determinante para alcançarmos o que sacia nosso coração e mente.

O processo de autoconhecimento nos possibilita aperfeiçoar a maneira como analisamos as oportunidades diárias, interagimos com o ambiente e rascunhamos o futuro nos gestos do presente. Simultaneamente, nos relacionamos com outras pessoas e interferimos na vida delas na mesma medida em que elas influenciam a nossa. E algumas pessoas são tão especiais, que transformam silenciosamente e permanentemente nossa vida. Independentemente do contato, estão sempre próximas, caminhando entre jardins e margens de nós mesmos.

Nesta noite, ouvir the Doors é se permitir a momentos de introspecção. Não uma apologia a rebeldia, drogas e sexo sem limites, mas uma argumentação a respeito dos paradigmas da sociedade, dentre eles o amor e a percepção da realidade. No compasso do pensamento, o ritmo dos sentimentos intensos. Com letras que vão desde a simples manifestação de um desejo, à possibilidade de refletir a respeito de significado e significante das coisas, as canções da banda evocam experiências interessantes para o imaginário de quem ouve com atenção.

Ouvir “Severed Garden (Adagio)" - canção estruturada a partir de poema gravado por Jim M. em dezembro de 1970, criada como música após a morte dele sobre uma recriação para “Adagio", de Tomaso Albinoni; é entregar-se à introspecção de rever silenciosamente nossas referências, valores e a respectiva relevância de escolhas e atitudes; desde o modo como observamos uma flor, lidamos com riquezas, reconhecimento, até como percebemos os aspectos e incertezas do relacionamento com os outros e até mesmo com a morte.

Neste ínterim, não é raro nos encontrarmos em busca de uma miragem. Seres humanos são fábricas de miragens. Alguns dizem que a busca pela miragem é o que move a sociedade e possibilita sua evolução. O foco na busca contínua, e não no alcançar. Entretanto, esse processo alimenta ferimentos e cicatrizes permitem a leitura em braile de nossas fragilidades; reféns de sonhos in natura. Há quem diga que se materializarmos aspectos da miragem na realidade que se apresenta palpável e perceptível (longe de ser concreta) conseguiremos estruturar um efeito placebo para vivenciar os dias com mais leveza.


Não podemos apenas nos entregar aos padrões vigentes e deixar que eles anulem aquilo que nos faz ser único; nem melhor, nem pior, mas especialmente único. Devemos nos abster da comodidade de catalogar tudo o que acontece como algo rotineiro. O comum é tão perigoso quanto a arrogância dos donos de verdades, ou controladores do processo de divulgação de versões. Alimentamos muitas vezes a característica que mais condenamos. Corpos destroçados, lares profanados, carteiras roubadas, espaço público tratado como a residência do caos, senso coletivo concebido como bacanal social. Na rebeldia não há poesia; há sangue. Alguém sempre verte sangue, nem que seja cortando o dedo com papel. As cenas brilhantes de filmes violentos, onde o espectador torce até mesmo para o inimigo público, não se limitam à sétima arte. Elas sumarizam os jornais, aterrorizam nosso dia a dia. Contraponto. Crianças espontaneamente boas, cordiais; casta superior quando exala humildade. Elas vão além da soberba dos adultos em dominar e impor verdades. A ambição de sorrir. Elas são delicadas flores perfumadas em um jardim; e cada qual tem seu jardim, que une e nos separa uns dos outros.

Textura, movimento, sabor e ternura. As experiências que um jardim evoca no indivíduo vão além de aspectos visuais e conceitos erguidos em versos. Encontramos aconchego não em lugares determinados por padrões sociais, mas essencialmente onde nos toca a alma. Alcançamos e somos alcançados pela paz quando livre de amarras nos envolvemos no suave emaranhado de possibilidades de ser feliz.

Os pensamentos estão postos. Despertar é uma palavra-chave muitas vezes inserida em fechaduras erradas. É preciso foco para persistir; mais do que saliva. O interesse. O fruto que geramos e que somos. As ações que exemplificam nosso caráter. Relacionamento e confiança são mais do que lembranças, ou palavras soltas em uma camiseta. Para alguns é moeda de troca, para outros é fundamento divino.

“Não há amor possível quando se busca a miragem e não a pessoa concreta que se tem diante de si”. (Sérgio Abranches, in 'Que mistério tem Clarice?').

Será?

“I want roses in my garden bower, dig?”

Publicado também em minha página no © obvious: http://obviousmag.org/rumos/2015/04/separados-por-um-jardim.html#ixzz4JlsrJHc5



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segunda-feira, 15 de agosto de 2016

o antes que se esvai

 
Desde cantares a tudo o que se comporta nos ares apaixonados. Nas rimas, nos olhares, anseios. As histórias de amor admiradas, buscadas, acreditadas e desacreditadas. O Humano deseja a saciedade e pujança que o amor proporciona dentro de si, não apenas no coração, mas em todo o corpo, perfazendo em eletricidade uma sensação de êxtase.

Cada tentativa clama por materializar os mais infantes desejos de se lambuzar na sensação de felicidade e entorpencência do amor.
Formosa, intensa. Rompeu a terra rumo ao sol, desdobrando-se em folhas, caule, rumo ao broto, ao botão, para ser flor. Amantes. Rompem a haste para levar a flor para sua amada. A flor desperta sorrisos espontâneos, espasmos de uma felicidade que até deixa um rubor à face, o perfume da flor se instala como lembrança de versos de amor. Contudo, a flor murcha ao tempo. Tempo. Esse que passa, esse que fica em marcas.

Perpassar “Como eu era Antes de Você (Me Before You, 2015)” o filme ou o livro de Jojo Moyes é se divertir com o clichê da sutileza rompendo pela insistência a rigidez. Assemelha-se à flor que rompe o solo em busca do sol. Após encantar pelo olhar, dissipar-se pelo perfume, lançar-se pelo pólem, ela retorna ao chão, murcha, para o adubar. Água mole pedra dura, olhar singelo coração seco. Todos, mesmo que em silêncio, traçam suas expectativas quanto ao roteiro, vislumbrando um final feliz. A conceituação de felicidade embora ambígua em sua constituição de fatos é simples em seu fundamento de sensação (paz, saciedade, esperança e energia). No entanto, a história nos apresenta às escolhas. Neste cenário, e em tantos outros, para o indivíduo alcançar um determinado altruísmo romântico às vezes é preciso abrir mão de se estar com o ser amado. Ele queria que ela experimentasse uma liberdade que era pujante em seu corpo, seu modo de vestir e de ver a vida. Ele sabia do frescor do vento que vem e passa. Ele queria que ela deixasse de se sacrificar pelos outros, e sem desculpas para se castrar, pudesse voar. Mas para isso ele deveria sair da paisagem, para possibilitar o verdadeiro voo daquele pássaro colorido que sorria para ele todas as manhãs. Então ele não poderia vivenciar. É como apenas vislumbrar a terra prometida. Ao escolher o presente, ele não quis encantá-la pelo luxo, mas surpreendê-la com algo que realmente a tocasse, que não só ela desejava, mas que retratava parte de sua identidade. Ele a presenteou com meias de abelha, ele a presenteou com a liberdade das possibilidades.

Lembra bem o fim de O Predestinado (2014 - dirigido pelos irmãos Michael e Peter Spierig e baseado no conto All You Zombies de Robert A. Heinlein), quando para alcançar seu objetivo (acabar com o Terrorista e a sucessão de seus atos) ele deveria abrir mão de suas convicções e sentar ao lado do ser perseguido (pois matá-lo era se tornar o terrorista). A reflexão é maior que o texto e o transcende (Vale a pena assistir Transcendência - 2014 - com o Johnny Depp). Pois de maneira sutil acena para um pensamento que revê as nuances do amor e fundamentos que modulam nossas escolhas, expectativas e apetite.

O que estamos dispostos a fazer para alcançar os objetivos? Rever a lógica e a base estruturante da nossa identidade? Questionar nossos limites e expandir as fronteiras?

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segunda-feira, 30 de maio de 2016

Bias tão nossas


 

Tantas são elas, que controlam nosso corpo, delineiam no horizonte o alcance de nossos braços, o ritmo dos passos e a ousadia dos olhares. Fazem morada no indivíduo a ponto de se confundir com a identidade de quem as possui, ou por elas são possuídos. Entrelaçados a elas buscamos aprimorar o reflexo do espelho sem nos ferir gravemente com os cacos. Bias, tão nossas. Bias nada fofas que dão medo "Medo que dá medo do medo que dá".

As ruas e noticiários têm sido pautados pelas nossas fobias. Lampejos de virtudes, de harmonização social até incitam certo frescor no olhar, mas, no entanto, nossas fobias nos pautam. Seria bom se fosse para refletirmos sobre como vivenciar e transpor as intempéries das fobias; mas o que vemos é o registro das consequências de medos maturados em seres despreparados. Pessoas queimadas, corpos mutilados, redes sociais congestionadas, diálogos violentados, matriz energética estagnada, ciclistas, motociclistas, pedestres e motoristas em vias de guerra, guerra urbana, umbigos gritam em palanques, cidadania encarcerada, relacionamentos dilacerados por um utópico e cruel bem comum, que não vem.

Percebemos a fobia como a expressiva materialização da angústia de um medo; vemos o empoderamento de uma castração psicológica que porventura pode estar em segundo plano na mente do indivíduo, mas que é base para as atitudes quase que automáticas; com consequências que transformam não apenas a identidade e caráter de seu possuidor, mas que reverberam no ambiente e em seu respectivo equilíbrio.

As atitudes provindas delas são recorrentemente um instinto de autopreservação que muitas vezes gera agressão ao próximo. Esse medo de que sua identidade e seus valores percam espaço na organização social, de forma a ter supostamente corrompidas suas virtudes, diminuídas suas articulações políticas e sociais, faz com que o indivíduo rejeite a diferença, obstrua o caminho da diversidade, e levante o estandarte de uma moderna inquisição, onde a intolerância grita e pune contra o outro, contra o plural. Mas a existência do diferente não pressupõe que seja soterrado ou exterminado o outro, na verdade se trata de uma flexibilização de perspectivas. Há espaço e tempo para todos.

"Tienen miedo del amor y no saber amar / Tienen miedo de la sombra y miedo de la luz / Tienen miedo de pedir y miedo de callar / Miedo que da miedo del miedo que da (Miedo - Lenine - composição: Pedro Guerra/Lenine/Robney Assis)"

Dalgalarrondo (2006 - apud Mira y López 1964) apresenta o medo como uma alteração dos aspectos emocionais que desencadeia em escalas até a sua inativação, tomando determinada proporção até que o indivíduo alcance estabilidade. Essa leitura concebe seis fases de acordo com a intensidade e abrangência: 1. Prudência; 2. Cautela; 3. Alarme; 4. Ansiedade; 5. Pânico (medo intenso); 6. Terror (medo intensíssimo). Sendo assim, as fobias podem ser encaradas como medos exorbitantes, descomunais, desproporcionais, atrofiadores. O contato com o objeto de fobia estabelece crise, com profunda inquietação e ansiedade por parte de quem possui a fobia. Neste instante de pânico não há lugar para a razão e sobriedade, mas apenas o raciocínio lógico de se livrar do objeto da fobia, seja impondo distância, fugindo, ou agredindo, tentando extirpar da existência. Neste sentido, é possível estabelecer uma relação preliminar: Fobia – Julgamento (da situação) – Punição (do objeto que causa fobia). Essa punição é materializada na intolerância.

A matéria de capa da Revista Puc Minas (Intolerância – Profunda reflexão sobre atitudes hostis e desrespeitosas que têm marcado o mundo contemporâneo. Ed 13 – 2016) apresenta de maneira contundente como “nossas bias” têm interferido na sociedade por meio de uma intolerância enraizada, que abrange aspectos religiosos, políticos, sexuais e raciais. Intolerância essa verificada em gestos, em vocabulários, conceitos visuais, e ordenamento social, estabelecendo-se como fator cultural. No contra-fluxo das atrocidades humanas está o processo de renúncia e denúncia. Denúncia por meio de multiplataformas (oficiais ou não) e renúncia (por meio de movimentos de contracultura) a um padrão de comportamento que só nos distancia do famigerado mundo melhor.

O que seu medo te impulsiona? No que ele te castra? Como ele torneia sua personalidade? Medo ou fobia de insetos, de situações, de ambientes, de sensações, de cheiros, materiais, de sons e até mesmo de sabores. Uma breve pesquisa na internet e você encontra listas de fobias (cada um que até impressiona existir). Contudo, assustador é observar e presenciar como os desdobramentos do medo da diferença, o medo de não controlar e sim ser parte integrante de um grupo social, traçam a realidade. Desdobramentos que podemos resumir em fobia de pessoas. Homofobia, Heterofobia, Transfobia, Politicofobia e polifobias possíveis. Bias traiçoeiras, desde o modo como se instalam na sociedade, até a estratégia de disseminação e ideais para contaminação de novos adeptos. Que as fobias recorrentemente trabalhadas no agenda setting possam nos provocar a uma efetiva melhoria, a partir de pensamentos consonantes para aceitação do plural, contribuindo para uma evolução continuada do modo de perceber a vida e se integrar à paisagem, relacionando uns com os outros sem se perder em utopias, mais ainda assim permitindo sonhos que libertem-nos das bias e elas de nós.

 
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quarta-feira, 11 de maio de 2016

Fantástica fábrica de ilusões



Os aspectos que nos fazem humanos, orgulhosos do que vemos no reflexo do espelho d´água, hora ou outra se contrastam com nuances de nossa vergonha, peculiaridades de uma personalidade que buscamos aprimorar.

O referido aprimoramento nem sempre tem o mesmo ritmo e intensidade que poderia provocar uma efetiva mudança, no entanto já se estabelece como um suspiro da esperança. Suspiro que reverbera e ganha força em narrativas que perpassam gerações.

Assistir, re-assistir e assistir outra vez a Fantástica Fábrica de Chocolate (1970 e 2005) deixa um sabor de quero mais na boca, aquela pequena e intensa fisgadinha no final da língua, onde fica o sabor do "quero mais". Desperta o desejo de revisitar nossos valores, os personagens que assumimos no convívio social e nossa relação com o prazer.

Em 1970, a narrativa mostrava o valor referencial da família como base para buscar melhores condições de vida, em contraplano com o egoísmo e dissimulação presente no ser humano. A história corre sem explicar muito sobre passado e futuro, sem dar detalhes da origem familiar de Wonka e sem especificar demais as mazelas vividas pela família de Charlie, tampouco os desdobramentos após ganhar o prêmio. Durante o filme, a honestidade de Charlie e dos outros é testada não apenas para conseguir um produto secreto, mas especificamente atacando as fraquezas e prazeres individuais.

Em 2005, percebe-se foco maior sobre história e valor da família tendo que especificar origem e futuro, estabelecendo e resgatando referenciais morais, abordando temas como redenção entre pai e filho, fortalecimento de elos verdadeiros  de amizade, de contato humano, de resgate da essência, mostrando inclusive os desdobramentos após Charlie vencer. Na trajetória, o contraplano à ambição dos personagens pela posse desenfreada, pelo transpor limites estabelecendo as próprias regras (pautadas na arrogância egocêntrica).

Após subir os créditos, além das canções das duas versões, ressoa um pensamento sobre como podemos nos encontrar entremeio ao turbilhão de informações, demandas, sonhos e realidade da contemporaneidade. Como aperfeiçoar o ser humano que somos a ponto de contribuir para as relações sociais e principalmente com aquela sensação de satisfação que tanto buscamos antes da última piscada do dia.

A cada mordida em um chocolate (impossível não comer após ver e pensar no filme) a língua se envolve com um sabor que não se adequa a palavra alguma, assim como o ser humano em sua totalidade não se adequa a nenhum rótulo ou regra. A transitoriedade da personalidade humana sobre o tempo e contexto social revela a esperança de que algo não necessariamente novo possa ser efetivo instrumento de evolução, de mudança. Talvez seja a premissa para perenidade de sonhos e vidas, outrora pode se tornar argumento de ilusões que mantém funcionando os pulmões.



Sobre:
Willy Wonka and the Chocolate Factory (pt-br: A fantástica fábrica de chocolate / pt: A maravilhosa história de Charlie) é um filme musical dirigido por Mel Stuart e lançado em 1971, estrelando Gene Wilder no papel de Willy Wonka. A história é baseada no livro infantil Charlie and the Chocolate Factory de Roald Dahl (autor também de Matilda), publicado em 1964, contando a história de como Charlie Bucket encontra um "Bilhete Dourado" e visita a Fábrica de Chocolates Wonka com outras quatro crianças. Em julho de 2005 estreou a versão de Tim Burton, com Johnny Depp no papel de Willy.


Publicado também em: http://obviousmag.org/rumos/

terça-feira, 12 de abril de 2016

sensações

O vento sempre passa mais perto de você. Sorrateiro, ele conhece bem o encanto de suas curvas. A superfície de sua pele evoca o toque das mãos, os passos intensamente delicados dos lábios até chegar  aos teus. Suas palavras bem encaixadas, suas emoções encaixotadas, seus pensamentos distantes, perpassando entre os dedos de tantos, como borboletas em voo. Abstenho-me de conseguir qualquer feito que seja mais que seu sorriso, pois seu sorriso espontâneo revela a narrativa de seu corpo, de sua mente, de seu coração, diante dos encantos que a você são destinados. Fazer fluir seus sorrisos de uma boa palavra, uma bela flor, um verdadeiro gozo, um sabor especial, uma brisa, um caminhar de mãos dadas, um contemplar o luar compartilhado, o vislumbre do horizonte em tempos difíceis.

Vejo o pôr do sol. Sinto aquecer meu rosto. Fecho os olhos e imagino você ali. O corpo dobra sobre o móvel como uma flor se abre para o sol à medida em que a luz toca suas pétalas, ainda úmidas do orvalho. O momento marca profundamente sensações que acompanharão por toda a vida.

Os ponteiros espremem os passos. Você distraída em suas leituras desconexas, em suas notas de rodapé indecifráveis. Eu. Sentado à mesa para mais uma refeição. Para mais um momento a sós com minhas cicatrizes. Apenas quando olho no espelho vislumbro minha casa... Mas já nela não entro. Não sou bem-vindo. A língua livre. O corte de cada alimento, aumentando os pedaços, diminuindo nos tamanhos. A textura de cada fibra, o sabor de cada combinação. Bom mesmo é quando os abraços misturam os poros, mesclam os cheiros formulando um novo perfume. os lábios tocando seu rosto como um anúncio de querer mais. Os braços que apertam você como se não soltaria jamais, como se fosse o abraço da despedida, ou do reencontro. Quando acabar, lembre-se sempre de apagar as mensagens de seus poros, de sua memória, de seu futuro. Entretanto os ponteiros podem sucumbir aos passos e o futuro pode se tornar tão presente e tão forte.

Disse, mas não me deu ouvidos. Repito e não me deu um olhar. Fere-se a terra para colocar a semente. Decepa-se o caule para fazer a flor despertar um sorriso, estancar um choro. Deus criou um jardim e entregou uma flor para cada coração. Quem recebesse deveria cuidar, amar e valorizar. Alguns corações vislumbram a encantadora  flor que não receberam. De longe, tentam cuidar, amam e valorizam...

Ah, seu olhar transforma tudo o que toca, com cor e vida, tornando a paisagem um lugar mais aprazível, e o horizonte um mar de possibilidades.

terça-feira, 31 de março de 2015

todo?



Ambições sinceras mantêm o sangue circulando pelos sonhos. Durante a trajetória, toda relação acontece por interesse. Todo brilhantismo é pautado pelo plágio. Toda declaração de amor é substanciada pelo clichê, pela vontade de realizar e alcançar uma projeção. Todo conflito poderia ser evitado, mas o sangue e a dor sobrepõem a paz e calmaria. Toda palavra poderia ser contida. Mas o discurso de impacto e uma discussão silenciada com uma frase fatal alimenta o ego. 

Todo sofrimento é único e paradoxalmente o maior do mundo. Todo poema carrega algo que não está nos versos. Os dias possibilitam bem mais do que percebemos e menos do que esperamos. Todo umbigo é o centro do mundo; e o mundo deveria ser chamado de tempo. Textos carregados de mesmas palavras, porta-retratos recheados das mesmas histórias. 

Tão universalmente pessoais, as músicas são o refrigério de quem sente, a fuga de frases silenciosas; e o sentimento... Ah, é aquele filme instigante o qual não vimos o final, ou não lembramos.

...

Se todo ao meio sou
Sê tu o esquerdo à felicidade
Sua o que sentes sejas pleno
Se caco, inteiro ou sonho
Permita a si

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Daltonismo velado

Ramon Bruin
foto:Ramon Bruin
Muitos estranharam o rebuliço dos últimos tons exibidos nos cinemas, sob a direção de Sam Taylor-Johnson e impressos nas intrigantes páginas de E. L. James (50 tons de Cinza). Filas, risadas contidas de um pudor e excitação social que até remetia a outras eras. A sociedade como uma nova Babilônia sem os jardins suspensos. Entretanto, nos é tão natural o que nos impressiona. Indivíduos reprimidos, assumem costumeiramente seu papel de ser social, defendendo uma posição conservadora, neutra, ou pseudo-liberal. Antes de pensar sobre como a narrativa trabalha o mundo das possibilidades e sobreposição de paradigmas é importante atentar para alguns aspectos em cena:

Homem novo, esteticamente aceitável pelos padrões de beleza, bem sucedido financeiramente e intelectualmente. Solteiro, com firmeza de atitudes e escolhas, até mesmo quando precisa ser sutil. Com certo mistério sobre sua vida pessoal e um toque de trauma psicológico que o torna suscetível a mudança. Com sabedoria no que diz respeito ao corpo e suas reações. Pilota, dirige, toca, manda, bate, fode e assopra. Do outro lado, ela: Jovem, bonita, frágil, bem humorada, inocente, porém determinada. Solteira, independente, culta, virgem, disposta a descobertas. Fiel, acredita em relações sentimentais duradouras, baseadas em cumplicidade e transparência. Capaz de assumir o controle em discussões, domando o outro por meio do desejo e da mente.

Esses aspectos de certa forma manifestam o tão sonhado imaginário dos gêneros. Representa as projeções psíquicas que os indivíduos fazem na busca pelo parceiro ideal. Nem tanto sacro, nem exageradamente profano. Algo que supra a demanda pelo equilíbrio entre dominar e ser dominado. Produzir um gesto que tenha intensidade, força e ainda sim sutileza. A partir desses elementos, a narrativa perpassa por linguagens que atingem o imaginário coletivo, e simultaneamente afagam as projeções íntimas de cada espectador, que em silêncio reage e cautelosamente esboça (ou constrói) sua interpretação para a sociedade em que vive.

Um corpo contido nas poltronas, o princípio de furor entre as pernas. Uma história é exibida na tela, com fotografia e trilha sonora fantásticas. Ritmada por cortes concatenados com suspiros, mover de pálpebras e até mesmo o molhar os lábios. Outras histórias são compostas ou remexidas no cérebro de cada um. A liberdade do silêncio, no escuro de uma sala de cinema.

O que se perde com o piscar dos olhos? As sensações que ainda não traduzimos em imagem, tampouco em palavras. O que há além dos créditos finais? O volúvel ser humano e suas possibilidades de relacionamento.

O relacionamento humano a todo o tempo rompe paradigmas com a instituição de novos paradigmas. O elemento paradoxal deste fato nos faz perceber que um significativo aspecto que caracteriza uma sociedade é a maneira como o coletivo concebe conceitos, manifesta e reproduz interpretações a respeito de sentimentos. As ambições individuais e coletivas nutrem sentimentos que orquestram os gestos. A sobreposição dos gestos e sua aceitação pelo grupo consolidam tradições e paradigmas, sobre tudo: religião, política, sexo, espiritualidade e etc. Neste sentido, transcender não é extinguir, mas expandir as fronteiras da percepção e do comportamento. Trata-se de romper um paradigma com outro, sem a preocupação, ou a consciência, de que pode se repetir neste movimento quase de dança. E o sexo também pode ser visto sob o viés desta dança.

Se todas as possibilidades na ordem e relação das forças já não estivessem esgotadas, não teria passado ainda nenhuma infinidade. Justamente porque isto tem de ser, não há mais nenhuma possibilidade nova e é necessário que tudo já tenha estado aí, inúmeras vezes. (Friedrich Wilhelm Nietzsche).

O sexo em película vai além do que se pode projetar em um quarto escuro, mas reverbera no obscuro da constituição do “ID” do indivíduo simultaneamente à sua constituição como ser social. O teatro não conseguiu explicitar em cena todo a pandemônio da Casa dos Budas Ditosos (livro de João Ubaldo Ribeiro sobre a Luxúria, em 1999), As duas partes da Ninfomaníaca (lançado em 2013) do dinamarquês L. V Trier chegaram perto do quão cru é a realidade, o desejo, vontade e representação; o quão belo e trágico é coexistir. Contudo, o ápice das obras não está no clímax apresentado na tela, mas no efeito em quem assiste, em como a absorção daquele conteúdo consolida ou refaz conceitos, interfere na constituição do indivíduo, sendo o prelúdio de suas próximas escolhas. A vanguarda pulsante que autores buscam vai além do produto de sua arte; mas depende do efeito no outro e da continuidade da interação com a mensagem da obra cinematográfica.

Neste ínterim, percebe-se que o pano de fundo da reflexão sobre o sexo no cinema é a construção de valores e sua atribuição aos paradigmas vigentes ou aos que virão por ser estabelecidos como item de uma nova ordem social mundial. Esse processo acaba por definir também o que é polêmico. Quando temas polêmicos são abordados na tela do cinema, nas páginas de livros ou conversas ao ermo, não se trata de um gesto impensado, mas construção de mensagens que se propõem como pílulas de reflexão. Se placebo ou cura para um mal social, apenas sua absorção ao longo do tempo indicará uma resposta; todavia não esgotará o assunto, pois ele se renova.


Afora o que se concebe em palavras, há de se desdobrar o diálogo, buscar compreender e vivenciar os efeitos de mensagens da sétima arte, vendo-as e sendo-as como uma obra de Dali... ou como as migalhas da Casa de Budas Ditosos e a intensidade melancólica de L.Von Trier.

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segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Santos mortos - Poetas da Dor - parte 2


As narrativas às vezes são a membrana superficial...

Seja sol ou madrugada, janela aberta. O vento varre da minha face as ilusões. Fecho os olhos e consigo ver além do que penso ser. Percebo como os outros constroem seu repertório de experiências e códigos e os empregam em vida. Sinto as agulhas das emoções alheias penetrarem meu sossego.

Tanto buscamos descobrir o novo e catalogá-lo a fim de concebermos conceitos, interpretações e alcançar a certeza, para assim partir para outra descoberta ou simplesmente controlar as coisas catalogadas, ser superior. Dominar o que se ama, o que se conhece. Isto é percebido em todas as dimensões do comportamento humano; na sua relação com a natureza, com a sociedade, sentimentos e tudo o mais.

O processo de santificação (ao contrário do Bíblico) depende fundamentalmente da morte e não da vida. Ao morrer, o indivíduo comum passa a ser lembrado, admirado e considerado pelos fatos benéficos relevantes, tendo as mazelas de conduta e caráter amenizadas, quase apagadas da memória. Porque isso não é feito em vida? Valorizar as pessoas pelos acertos, focar o julgamento nas qualidades ao invés de em vida julgá-lo pelos erros, e em morte reconhecer seu valor de semideus? Quem morre é lembrado pela parte dele que construímos em nosso imaginário, a partir da convivência com a pessoa, ou com a narrativa que alguém criou sobre a pessoa em questão. Afora exceções, quem morre é lembrado como bom e os vivos têm seus defeitos realçados. Tropeços.

As narrativas então estabelecidas tratam os indivíduos vivos como seres os quais os erros e desvios sobressaem às qualidades. E assim, uma sociedade de sonhos hipócritas é consolidada. A trajetória do indivíduo, travestido de ser social, é analisada sobre vários aspectos. A sociedade, evitando o processo de autoconhecimento proposto pela máxima no Oráculo de Delfos, subjuga o próximo e disseca seu caráter com o objetivo de condenar ou absolver o cidadão. Como parâmetro de análise, utiliza padrões morais e de excelência que estabeleceu a partir dos respectivos anseios. Padrões consolidados junto ao grupo de afinidade, composto de pessoas que comungam dos ideais e um ou outro de ideia divergente, para garantir contraponto.

Para sobreviver a essa dinâmica social o indivíduo pode ignorá-la e conviver; pode subverter os parâmetros, interferindo neles, quebrando paradigmas construindo outros; ou pode sucumbir às manipulações sociais.

Ignorar é o que a maioria faz. Ignora e convive, pois o indivíduo naturalmente percebe que enquanto ser social ele também julga e opera os próprios padrões. O cinismo rege a história de vida de tantas pessoas. Assumem personagens, acreditam intensamente no rótulo que carregam, e ainda tentam impor uma realidade e modo de pensar a quem por perto estiver. E assim o terreno  está preparado para frustrações. (Que surgem também de tantos outros lugares).

Subverter os parâmetros, a partir da interferência e sobreposição de paradigmas é feito com a utilização das ferramentas culturais; as artes em suas diversas dimensões (artes plásticas, artes cênicas, literatura e etc), bem como pelos pilares históricos (manifestações populares e articulação de grupos que atravancam o sistema corrente estabelecendo outro padrão comportamental).

A operacionalização das ferramentas culturais nem sempre têm como finalidade alterar os parâmetros supracitados. Em sua maioria, as intervenções almejam reforçar preceitos, divertir, arrecadar recursos financeiros ou materiais, e até mesmo ser afago ao ego dos autores e mecenas. Entre mecenas e mercenários, o caleidoscópio: Mensagem / público / narrativas criadas / artistas e indivíduos / o ardor / as amarras da liberdade.

A intensidade de R. Wagner, com sua superioridade e pureza pernósticas; a força de Tchaikovsky, e as nuances de sua contradição; é recorrente a tentativa de representar o elixir do que torna humana a carne e sofrível a alma, passível de amor e ruína. Interessados em nossas mazelas, mergulhamos para compreendê-la e não para alterar o surgimento de novas e a continuidade das antigas. O final do ato não encerra a obra, e o estrondo repentino não sucumbe a sutileza do compasso. E o amor?

Seja em Arthur S. ou em 1 João 4, o amor é a ideia original. Felicidade possivelmente incompatível, pois nele também há dor. Aspirações, paixões, vontade e representação. Sob o óculo de A. Schopenhauer percebemos como o ser humano busca a sobrevivência como qualquer outro organismo vivo: guiado pela vontade [mesmo sem compreender sua origem] lembrado pela representação [não em plenitude] de seu desejo. A felicidade é o fiel oscilante de uma balança que de um lado tem o amor (ideia original, desejo natural) e do outro lado tem a vontade (a energia e os atos que a representam).

Após observar certas nuances do indivíduo (que pode muitas vezes ser caracterizado como o estrangeiro de Camus), inclusive enquanto ser social e organismo vivo, percebe-se que o fator determinante da santidade está atrelado aos atos em vida e não em morte (embora a morte santifique seus atos). Sendo os atos em vida constituídos de movimentos naturais, escolhas orgânicas por sobrevivência / evolução / continuidade; e não apenas por caridade. 

Toda relação é por interesse, ok Kant. este interesse ultrapassa a dimensão social, orgânica e material, atingindo também uma dimensão poética, emocional e espiritual. O interesse não é maquiavélico por completo, tampouco altruísta por demasia. Independentemente da existência de seres exemplares (santos) a sociedade os estabelece ou reconhece para saciar a necessidade de conforto, de calmaria, de fugir do estresse cotidiano (composto pelo fluxo, contrafluxo e colisão de indivíduos em busca de "realização" em todas as vertentes / desejo), vislumbrando o admirável.

Entremeio à busca por saciar o desejo pela ideia original e os desejos básicos; afora a busca por salvação e santificação bíblica, por reconhecimento e conforto/aconchego, o indivíduo tenta ultrapassar as interrogações da vida e não se alienar nas reticências, pois a vida do indivíduo está sempre sobre dois pontos:


Quando respiro e quando não,
O amor me alcança.
Rumos seguem, mesmo em silêncio. 
Dobrei o horizonte sob os joelhos e ponderei; 
rumos seguem, mesmo introspectivo. 



sábado, 18 de outubro de 2014

(



Todo o mel da flor. Invariavelmente, o efeito encontra aconchego onde as ideias abandonam a lógica e os sentimentos fornecem direção, calor, alimento e sonhos. O fluxo dinâmico de acontecimentos nos faz interpretar cada detalhe como ingrediente da história particular de cada um. A diversidade de indivíduos, fatos, percepções e tempo é tão intensa que assemelha-se ao toque de uma trombeta e o pouso de uma borboleta na ponta do dedo.

A humanidade tempera o mundo do melhor e do pior que há para vivenciarmos. Paisagens são contaminadas. O gorjear do verso quebrado; o voo interrompido do pássaro que não mais canta. O céu sangra no horizonte e o peito atormentado pelo silêncio cala um milhão de suspiros, em um sentimento. A lógica é lançada ao vento; e a melodia que pontua os acontecimentos, marca profundamente toda a percepção... o silêncio.

Os processos de comunicação interferem no comportamento social, isto é fato. Entretanto, qual o limiar da loucura ou o tempero da ternura? Seria a temperatura das palavras, dos corpos, dos sentimentos? Narrativas contínuas em fragmentada linha reta, em convergência e transcendência.  O sol sangrou no céu. Rasgou o peito e aqueceu de melancolia a mente. O famigerado silêncio dá o tom da narrativa que se transforma; esvai na madrugada, figura os sonhos, protagoniza o porvir.


estar junto.
escutar seus sonhos e temores,
provocar rubor e tremores,
conhecer suas pintas,
reconhecer seus poros no escuro;
o verso sem palavras a dar ritmo aos sonhos,
delineando o sentimento e as sensações;
há tanto para você ler
há de ao tempo ser

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

tomate cereja





tomate cereja e o balanço da comunicação, 
são meus pés estes fora do chão


Com poeira nos olhos tateio os discursos e reconstruo as narrativas que fazem chorar as flores. Ego: epicentro humano formado pelo repertório planejado, o espontâneo e o utópico. E assim o indivíduo se coloca a dançar com a Glória de Horace MacCoy. A fumaça da Uspequistão contamina. Um cinegrafista aponta sua arma e recebe o beijo da realidade: cai morto no noticiário. A ordem social (e o processo de comunicação) precisa de ações imediatas e ações de planejamento. Ocupação de espaço, factual, posicionamento, choque; e também a interferência sociocultural com resultados efetivos a longo prazo. É preciso pólvora e flor; há tempo para todas as coisas debaixo do sol, conforme escreveu um poeta antigo.


Conteúdo midiático é semelhante a comida; há diversidade de sabores e consumidores. Para produzir pensa-se nos estímulos, no efeito que se quer causar (do incômodo ao gozo - ou do gozo pelo irreverente). Para isso, é necessário conhecer a língua do outro; o potencial de percepção, os parâmetros de sensibilidade. Caminhar entre as papilas, compreender como funciona os sistemas de relevância do indivíduo-alvo e assim, estabelecer o fluxo de mensagens (esquecer a formicação de tentar ter controle sobre o processo e assumir o respectivo grau de interferência). Abandonar a vaidade e o desejo vão. 


Precisamos integrar as plataformas de comunicação, desde a conversa em roda, revitalizar a praça e potencializar o código binário, os 140 caracteres, links e tags. Hugs and kisses. A compreensão a respeito dos sistemas de controle permitidos em um processo de interação é fundamental para manter o fluxo social. Visualizar e sentir as fronteiras das narrativas.


A valorização da cultura regional e sua utilização para transformação social depende do modo como as mensagens são construídas e disseminadas. Devemos transitar entre as mídias de forma que cada migalha de conteúdo disperso construa um significado, e contribua para a evolução humana, possibilitando descanso ao corpo, recheio aos estômagos e vazão aos intestinos e mentes.
















Onde estão as (os) truganinis da comunicação? Lacrados em teorias, livros, poemas soltos, xícaras de café? Incomunicáveis; seus pensamentos estão soterrados nas rotinas cada vez mais sucateadas das redações e das assessorias plastificadas? Não acredito que estão obsoletos, talvez inacessíveis, ou se guardando para quando o carnaval chegar. "Em gaveta não se guarda coisa alguma".


A realidade cravada entre os dentes explode com seu sabor tomate cereja. Torpor. 


sob gotículas colhe tomates. o dorso nu recebe o beijo.
os lábios provam do espinho. sob o orvalho cheira as rosas.
a alvura do algodão, a maciez da terra molhada.
o toque divino sob o cheio luar
tranquilidade







passo, fatum e fado
Instruir-te-ei, e ensinar-te-ei o caminho que deves seguir; guiar-te-ei com os meus olhos. Salmos 32:8 

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

vista




As quinas do cotidiano são interessantes pontos de observação. Oportunidades.


Cabelos, pele, lábios, gesto involuntário com a boca. Os olhos. Ela.


Ele chorou. A lágrima suicida despencou como uma pétala. Linda. Ele provou seu sabor. Apanhou uma formiga que passava no momento e a mergulhou na gota. Queria que ela sentisse.


Perseguido. “Minha percepção está corrompida. A boca. O sorriso me espreita até nos confins. O queixo. Devo odiar, mas sem degenerar-me. Mas o ódio em nós é câncer”.


Cativo. "Onde vou também vai minha mente. Construo palavras que agradam a muitos, mas quando sou eu a maioria não entende". Fazemos alianças para quebrá-las. De um modo ou de outro.


Ele é impelido a deixar de acreditar em algo que lhe é como objetivo humano de vida. Ela está cada hora num corpo. Agora chora. Partida. Rompimento ou espera? Sorri monalisa ao ser observada. Vai embora como todas as outras. Voltam as lágrimas e surge com a resposta novas perguntas. Era espera. Pra quê, por quem?


Travesseiro engano. Feito de sonhos. O suor das horas, o atrito da borracha com o concreto; declaração. Torre de Marfim, olhos de ressaca, luz do sol reflete à íris.


Tudo à vista. Olhos. Bolsos. Costumeiras decisões. Ele sobrevoa calmamente as interpretações.


néctar

sábado, 1 de janeiro de 2011

Cílio que cai



Foto do post. CC Tempos Modernos (vale assistir novamente seus filmes)


Chocolate em constante promoção. Ópio emocional. Tratamento paliativo contra o vírus da degeneração emocional que tem causado separações, amarguras, vícios, traições, agressões e desequilíbrio.


Poesia havia se lastrado como uma ilógica esperança aos corações. Era preciso matar os poetas. No registro da existência, apenas um ressuscitou, alguns sumiram vivos, outros sucumbiram às pedras. Mas aqui lembro-me de uma vila esférica, em algum lugar quente, onde chovia morno e adocicado.


As poesias foram queimadas. Os livros tiveram suas páginas rasgadas, mas as capas mantidas à estante. Todo papel fabricado recebia um número de série; quem comprava registrava-o em seu nome. Pouquíssimos podiam ter acesso ao papel; menor quantidade ainda tinha direito a materiais para escrever.


Entretanto, poetas teimavam em pensar e sentir. O profano ato de escrever e bater marreta no concreto ainda persistia. Quando é que isso acaba? A solução foi matar os poetas. Ou qualquer um que não tivesse a cabeça de papelão. No início foi fácil. Foram realizados concursos de literatura. Após o período de inscrição, reunia-se os participantes num galpão, ás 12 horas, sob a telha de amianto e arrancava-se o cérebro de cada um, com ternura.


Depois dos concursos, foi feito um levantamento bibliográfico. Mais cérebros. Frequentadores de bibliotecas. Mais cérebros. Namorados e casados de pouco. Mais cérebros. Locatários de filmes de vanguarda ou clássicos. Mais cérebros. Jardineiros. Mais cérebros. E assim por diante. Corpos e corvos. Uma praia cheia de urubus. O sonhos ensacolados como carniça tremulam na maresia. A tempestade lava da frustração o cílio que cai à esperança.


Os corpos não eram um bom adubo, o odor da queima gerara impacto ambiental na cidade. Havia a possibilidade de inserir a carne na dieta, mas era carne contaminada com poesia. Construiu-se então um super forno que nunca se apagava. Apenas as rosas choravam faltavam-lhe os espinhos. Falta-nos a costela. Era preciso apagar também a memória.


Beiços, testa franzidas e lágrimas não tinham mais o efeito esperado. Uma questão delicada: o que fazer com as crianças? Cangaceiros foram contratados. Eles foram os responsáveis pela escolta até oompaland.


Com o tempo e a intensificação da vacina, as cores perderam sabor, as palavras destituídas das sensações, os olhos apenas registravam o que se mostrava. Os detalhes, as particularidades, apenas poeira no canto da casa.


A vacina alcançara custo elevado. As pessoas comiam cada vez mais chocolate, arranhavam paredes, molhavam travesseiros e entupiam as filas de vacinação em busca de cura. Foi então necessário esvaziar o mundo, mas sem fazer muita sujeira. O nível de consciência alcançara padrões satisfatórios. Muitos seguiam em silêncio para o forno. Uma cena de fotografia intensamente sublime.


Alguns rebeldes foram direcionados para o Hotel Rosebud, quarto 101. Foi adotado um novo vocabulário. Um novo dicionário. Liberdade.


Preso pelas minhas memórias, efetivo ações de memórias adquiridas e não pelo que sou. Ou sou o que adquiri?”


Algumas pessoas teimavam em buscar os poetas como colibris por flores. Era preciso destruir os jardins.


Com um pé de algodão se planta o mundo inteiro”. Cada flor 20 sementes. Magnólia. Chance. Perdão. Escolhas e frogs fallen the sky.


Muitas portas arranhadas, pétalas arrancadas. Para uns, a vida é muito curta, para outros muito longa. Tempo e percepção: dois espinhos de uma mesma flor. Nada comprava poesia. Um problema surgiu; as pessoas sonhavam. Uma determinação do governo proibiu as pessoas de dormirem. A secretaria de saúde declarara como prejudicial um período de tempo no qual os pensamentos não podiam ser controlados ou ao menos direcionados. Quem fosse encontrado dormindo era executado. A mulheres receberam tratamento diferencial. Quando encontradas dormindo, eram sedadas e carregadas nos braços até o forno.


Ousadamente, um dos carregadores surtara desviando-se da rota. Depositou a mulher entre folhas e a observou dormir tal como uma flor. Pela manhã, ele preparou o café da manhã, levou até ela e se despediu com um beijo no nariz daquela flor que dormia. Caminhou ele em direção ao forno. Ela acordou em meio a uma jardim com iogurte, cereal e uma flor. Naquele dia, aquele carregador não conseguiu se livrar. O forno estava apagado para ele. Não havia saída para ele. Ele era um pé de algodão agora infestado de lagartas.


Energéticos com café: bebida oficial do governo. Dormir era privilégio de poucos. Dormiam sedados, sob vigilância armada. Ao menor sinal de sonho a execução era aplicada.


Os poucos poetas sabiam que a salvação estava próxima; chegando. Então eles poetavam e eram mortos. Cérebros arrancados, jardins despedaçados, flores concretadas, corpos queimados.


...não tornará pelo caminho da porta por onde entrou, mas sairá pela que está em frente dele...”


Inscrições eram copiadas nos muros. Pela manhã, os escritores se entregavam. Nada criado era. As palavras usadas como engrenagens. A poesia tornara-se racional. Sem sentimento, sem metalinguagem, metáforas, paráfrases e tantos outros calçados e vestuários. Era preciso acabar com a razão.



O carregador rejeitado pelo forno tornou-se errante. Não compreendia o motivo de no dia de se banhar nas chamas o forno cessara. Coincidências não aconteciam; e nada foi comentado obre o dia de folga do forno. O carregador estava confuso, atordoado por suas memórias e condenado pelas expectativas. Seus pés não paravam. Sua língua queimava bosques antes; agora, nem o fel havia sabor. Em poesia, sem sonhos e sem razão. Mas o processo de acabar com a razão estava com problemas. Foi chamado de Paradoxo China. Algum solitário, cansado por dias a fio confinado em cafeína, ideias e armas, sugeriu que para acabar com a razão era preciso doses cavalares de sonhos e poesia. Ele foi executado da forma mais cruel encontrada. Seu cérebro foi arrancado.


Um decreto estabeleceu limite à criatividade. Uma lei determinou que todos que possuíssem algum tipo de emoção deveria se apresentar em frente ao forno, às 12 horas da última sexta-feira do mês. Alguns não viam razão para isso; entretanto, o movimento de bando para o abate parecia orquestrado. E o fogo ardeu, e a chaminé quase rompeu o céu. O mundo praticamente esvaziado, a contaminação em níveis mais moderados.


O Carregador não foi ao forno. Estava contaminado por demasia para compreender e decidir. Um floco branco num galho chamou-lhe a atenção. Era um pé de algodão. Ele o chamou de Paradoxo da Alvura. Lagartas e alimentavam de suas virtudes, mas não lhe tiravam a vida. A terra continuou girando, a luz desfez as trevas, todo os contaminados desapareceram. Todo os poetas. A elite social e o governo não entenderam. Não havia razão. Apatia controlada de Yusuke. Alguns pensaram que o grande poeta havia retornado. Estes, no dia seguinte estavam no forno. Com o tempo, o forno ficou sem alimento. Uma única e enorme fila foi formada com o mais distintos da sociedade; com todo os ainda vivos. A fila seguia para o forno. Era o ápice da pureza, evolução e descontaminação. O pé de algodão, cerca de 1,87m, balançou ao vento. O Poeta voltou. Surgiu como a luz. Parou a fila; estabeleceu a razão, as emoções, os sonhos e a poesia. O forno teve alimento por uma noite intensa; foi apagado pelo Poeta.


Ao pé do pé de algodão que balançava, balançava o pé o ex carregador, que agora carregava sorrisos e alvura.


As cores ganharam vida. Os jardins. As crianças. E a mulher do nariz beijado era como flor no jardim, agora com mudas.





terça-feira, 30 de novembro de 2010

ais

Hoje voce terá mais.

Do que deseja e precisa. Terá mais cores, cheiros e sabores. Terá alguns verbos, espalhados por versos em prosa. Texto. A musica ruim é como o gosto ruim de um remédio ou de um alimento que causa má digestão. Fica nos incomodando em repentinos arrotos.


Música. Quando boa nos embala, abraça, conduz. Assim como a brisa cose sensações, entremeia olhares. Semelhante a chuva e suas gotas que inundam poros e junto com a corisa traz certa alegria.


Filmes trilhas e livros.


Não se é feliz por meio dos poetas. Todos exalam tristezas. Exalam nossa essência caída. Impossível se firmar pelas estantes de auto-ajuda. São a gostosa coceira causada pela picada de um inseto. Tornam-se feridas.


Impossível entrar nos 35mm. Pílula de duas ou três horas. Ferramenta de terapia.


Nos distraimos enquanto promessas não se cumprem.


quinta-feira, 25 de novembro de 2010

odia



Não há mais respeito. O que havia era temor, entretanto ele diminuiu. O respeito sempre foi uma moeda de troca; e agora estamos falidos. A precipitação expôs as entranhas de Judas. A palavra dos homens, embora seja estopim de reações, não se sustenta na próxima frase. Precisa de repetição. Explicitada por Salomão, confirmada pelo desviado F Wilhelm N.


Os traços e cores ainda me encantam. Há arte nos jardins, secretos, espalhados pela mentalidade urbana e seu senso de organização. Pernóstico. Rosebud. Lágrima.


...A delicadeza de um instante o alimenta com a porção necessária para respirar. O dia estava pleno. Ele no meio, sentindo. Crendo.


...Sedutor é o sorriso do diabo. Enganoso. Demorei para compreender que era dele. Sempre debochando, espreitando as escolhas. Basta.


A verdadeira redenção. O único caminho, verdade e vida. Jesus.


...O entardecer enobrecera suas emoções. Seu raciocínio espiritual, sua espiritualidade racional.


Sua fora rega dentro. Evolui. Dá frutos.


Aproveite enquanto há tempo.


crédito imagem: Alan Sailer