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NA CIDADE DO MENOR A GEOGRAFIA E A COMUNICAÇÃO SOCIAL
COMO SUPORTES PARA A CONSTITUIÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO E A
CONSTRUÇÃO DO COTIDIANO
Leoneci Ermelinda Silva Storck de Oliveira
Graduanda do Curso de Geografia do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais / Unileste-MG
Rudson Carlos Vieira
Graduando do Curso de Comunicação Social e Jornalismo do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais / Unileste-MG
Suelen Cristine Gomes
Graduanda do Curso de Comunicação Social e Jornalismo do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais / Unileste-MG
Fernando Antônio Resende
Coordenador do Curso de Comunicação Social e Jornalismo do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais / Unileste-MG
Dorotéo Émerson Storck de Oliveira
Coordenador do Curso de Geografia do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais / Unileste-MG
RESUMO
Em um projeto de pesquisa que envolva a percepção do cotidiano, a produção de sentido e o espaço
geográfico, faz-se essencial o estudo e a compreensão das práticas sociais e espaciais. Ao pesquisar a
Cidade do menor (CM) - Instituição mantida pela Fundação Comunitária Fabricianense (FUNCELFA) –
nosso enfoque centrou-se em como o cotidiano se constrói a partir das formas e conteúdos sócio-espaciais
ali presentes. Parte-se da premissa que o cotidiano na CM é um lugar de construção e produção de
sentidos, além de ser a expressão das condições de materialidade, historicidade e geograficidade dos fatos
humanos e sociais ali presentes.
Palavras-chave: Cidade do Menor, comunicação, cotidiano, espaço, geograficidade
ABSTRACT
A research project which involves the perception of everyday lives, the production of meaning and the
geographic space makes it essential to study and comprehend the spatial and social practices. As the
authors research the City of the Minors (CM) – institution funded by Furnaces Communitarian
Fabricianense (FUNCELFA) – the focus was made upon how one’s everyday life is based upon the
social-spatial shapes and contents present within. It is assumed that minor’s lives within CM set a frame
upon where they build up their contruction and production of meaning, besides being the expression of
their idea of materialism, historicism and geographic of human and social fact present in the environnent.
Key-words: City of Minors, communication, quotidian, space, geographic.
INTRODUÇÃO
Um fluxo cada vez maior de pessoas, mercadorias, ideologias avança sobre o Vale do Aço – Leste do
estado de Minas Gerais – impulsionando o “progresso regional” que se constitui num processo que têm
reflexos diretos na organização sócio-espacial das três principais cidades da região metropolitana do Vale
do Aço: Ipatinga, Timóteo e Coronel Fabriciano.
O urbano no Vale do Aço nasce com a implantação das indústrias Aços Especiais Itabira (ACESITA) e
Usina Siderúrgica de Minas Gerais (USIMINAS) nas décadas de 1950 e 1960 respectivamente nas
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cidades de Timóteo e Ipatinga. Industrialização e urbanização são processos concomitantes e trazem
consigo mudanças na paisagem regional que reflete a chegada da “modernidade”: acreditava-se (e alguns
ainda acreditam) que chaminés eram sinônimo de progresso, de desenvolvimento, por isso, “industrializar
era preciso”, o que por si só, supostamente justificaria os custos sociais e ambientais decorrentes da
industrialização. Entretanto, como ocorreu em quase todo o país, nem todos os lugares conseguiram
promover o seu crescimento econômico acompanhado de desenvolvimento social.
Coronel Fabriciano – que fica entre Timóteo e Ipatinga – não passou por um processo de industrialização
significativo. Historicamente destacou-se por ter como principal setor da economia o terciário, atendendo
Timóteo e Ipatinga, além de servir de cidade-dormitório para os trabalhadores da indústria,
principalmente na primeira década após a implantação das usinas siderúrgicas na região.
Em grande parte, a estagnação econômica da cidade de Coronel Fabriciano tem provocado um aumento
contínuo do desemprego e da pobreza e a conseqüente perda da qualidade de vida da população. O
crescimento urbano não ocorreu acompanhado da oferta de empregos, de infra-estrutura básica,
atendimento médico-hospitalar e assistência social adequado. Em decorrência do agravamento das
condições sócio-econômicos da região, principalmente a partir das privatizações da USIMINAS E
ACESITA na década de 1990, a cidade vem sofrendo, como todo o país, as conseqüências desse quadro
caracterizado pelo desemprego, violência, aumento do número de miseráveis, sem-tetos, menores
abandonados e/ou meninos de rua, entre outros.
Uma das instituições que atua no Vale do Aço, principalmente em Coronel Fabriciano, para amenizar o
quadro acima descrito, é a “Cidade do Menor” (CM), uma instituição de abrigo de permanência para
menores desamparados da/na rua, desprovidos de vínculos familiares formais.
A “Cidade do Menor” (CM) enquanto um território de inclusão social tem seu cotidiano voltado para o
resgate social do menor. Esse cotidiano, a partir das relações e interações sócio-espaciais, tem como
referência formas espaciais significativas que constituem uma “cidade” para o menor tendo o papel da
casa que está em oposição à rua localizada na “cidade do maior”.
A CIDADE DO MENOR (CM)
Em busca das informações a respeito da CM, foram utilizados livros de Atas, pastas, álbum de fotos,
fichas dos menores além de questionários com os “pais sociais”, dirigentes e menores internos. As
análises se voltaram, , principalmente, nas expressões presentes no discurso da CM – no estatuto, no
Livro de Atas e no Resumo de Atas – dos funcionários, voluntários e dos menores.
A história da CM começou na década de 1970, na cidade de Coronel Fabriciano, quando o padre Lélis
Lara, hoje Bispo Emérito da Diocese Itabira – Coronel Fabriciano, criou, juntamente com um grupo de
pessoas da comunidade do Vale do Aço, a Fundação Comunitária Fabricianense (FUNCELFA). A
FUNCELFA foi fundada no ano de 1971, no dia 06 de maio, quando ocorreu a eleição para a 1ª diretoria.
Apresentada com a razão social FUNCELFA e o nome fantasia Cidade do Menor (CM), a posse da
primeira diretoria foi tomada em 20/05/1971.
Naquela época, os menores desamparados já se apresentavam como uma “situação-problema”. Para
enfrentar esse quadro social, a FUNCELFA comprou um sítio (uma pequena propriedade agrícola
afastada do centro da cidade) com a ajuda do Lions Clube de Coronel Fabriciano e da Companhia Vale do
Rio Doce (CVRD) para ser destinado à CM que se dedicaria principalmente ao atendimento do menor
abandonado/desamparado. Outros parceiros nesse projeto tiverem grande importância como as irmãs do
Colégio Angélica de Coronel Fabriciano, que ajudavam a cozinhar, cuidavam das roupas e de outras
pequenas coisas. Nesse período, além de doações, a instituição se mantinha através da renda obtida com
uma granja e com uma pecuária em pequena escala.
As grandes empresas, como proposta de uma política de responsabilidade social, foram essenciais na
realização de obras na CM. Importante papel teve a USIMINAS na estruturação da CM, fornecendo o
abastecimento de água, levantamento topográfico, arruamento e construções. Com o passar do tempo, o
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local, originalmente com características rurais, foi se transformando, recebendo grandes construções,
casas específicas, adaptações, refeitório, área de recreação e outros.
Atualmente a granja e a pecuária estão desativadas e a CM sobrevive apenas de doações da comunidade,
grupos religiosos e alguns sócios-contribuintes que, em alguns casos, não têm contribuído
sistematicamente. Além dessas doações, a instituição recebe ajuda do município e do Estado. O
Município, além da contribuição financeira, colabora em algumas coisas para o funcionamento de uma
escola que oficialmente é uma dependência de sua responsabilidade. Junto à escola funciona uma creche,
que recebe crianças de fora apenas durante o dia para mães solteiras e famílias pobres, cujos pais
precisam trabalhar e não têm com quem deixar os filhos. Alguns internos também passam o dia na creche.
De um terreno rural, hoje área urbana, surge a possível materialização do sonho de solução dos problemas
sociais. O projeto social buscava se tornar um centro social do menor. Sonhava-se em atender a toda a
comunidade com maternidade, creche, psicólogo, médico, dentista, professores, catequistas, oficinas
profissionalizantes, exposição de trabalhos. Nas palavras do então padre Lélis Lara, o objetivo da CM
... consistia na integração do homem, dentro da ampla assistência
social, mas para contar com o apoio de todas as forças vivas da
comunidade. Um sonho que vem a se realizar na região sui generis
do Vale do Aço. O pensamento inicial era de abranger todos os
problemas sociais. Todavia, com o correr do tempo, verificou-se que
a região e consequentemente o município de Coronel Fabriciano,
apresenta problemas agudos e diante da avalanche de casos, da
demanda, para não ter soterrado o sonho, a Funcelfa teve de
delimitar um caminho, delimitar ‘campo’, espaço de ação
(FUNCELFA, 17/10/72).
Nesse sentido, diante dos muitos problemas sociais, a CM teve que escolher um problema para “atacar”.
Ainda segundo o padre Lélis Lara, “cada instituição ataca os problemas específicos que escolheram
solucionar ou amenizar. A FUNCELFA, por sua vez, irá, como se diz, especializar-se no amparo ao
menor abandonado” (FUNCELFA, 17/10/72).
Amparar o necessitado, o marginalizado – no sentido de margem, exclusão – conduzí-lo a uma inserção
social e interação; uma re-integração social. De acordo com a instituição: possibilitar ao menor tornar-se
cidadão. A instituição cria uma outra realidade, desloca o menor de uma realidade (a rua) levando-o a
outra (a casa “Cidade do Menor”). Nesse processo a CM representa um território de inclusão social para o
menor.
Com o intuito de fornecer aos menores a capacidade de exercer seu papel social, exercitar e desenvolver
sua cidadania (aqui como pressuposto de ser fornecida pela instituição), o espírito familiar é priorizado.
Planejamento de vida do menor; amparo e direcionamento que geralmente é feito pela família.
A equipe de coordenação propôs assumir as atribuições que dizem
respeito à vida do menor: casas, cursos, escola, planejamento de
trabalho, saúde e lazer; enquanto que a Funcelfa passaria realmente
a assumir a sua função mantenedora, partindo da eleição de uma
nova diretoria...” (FUNCELFA, 02/04/87).
Além da formação para o mercado de trabalho, recreação e deveres;
vida familiar. Lar. Comemoração de festas: aniversário; festas
juninas; natal. Observa-se apoio, orientação religiosa, como sugere o
padre Lélis Lara: “a religião é um fator tão importante em suas vidas
quanto o estudo, o trabalho e o lazer. Algumas das crianças sentem
falta de um catecismo organizado (FUNCELFA, 25/11/86).
Observa-se a ação de disseminar o cristianismo. Atitude fruto de uma cultura da catequização, ou
evangelização, em que a religiosidade seria essencial no processo de construção do cidadão. Fato
intensificado por ter a CM, um religioso na sua liderança (o cargo de presidente vitalício da FUNCELFA
é ocupado pelo Bispo em atividade da diocese Itabira – Coronel Fabriciano).
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O SISTEMA “CASA-LAR”, OS “PAIS SOCIAIS” E O PERFIL DOS MENORES RESIDENTES
DA CM
A CM é conhecida por algo que a difere dos outros internatos, abrigos e orfanatos. Os internos vivem em
casas-lares, que são residências administradas por um casal chamado de “pais sociais” que buscam
construir com os menores um ambiente familiar que possa ser o mais próximo possível de um ambiente
familiar dito normal, dentro dos padrões da sociedade. Cada “casa lar” possui um casal de “pais sociais”
que residem na casa, cumprindo o papel de pai e mãe dos menores. Os “pais sociais” são escolhidos,
geralmente, no ambiente da comunidade local, principalmente o ambiente da Igreja. Possuem um
contrato especial de trabalho e são incentivados a participam de cursos, encontros religiosos e simpósios
em que geralmente o assunto é filhos ou família.
Os atuais “pais sociais” trabalham na CM a menos de quatro anos, o que indica uma rotatividade
significativa dos mesmos. Para os menores que estão na CM a mais de 5 anos, o fato de haver mudança
dos “pais sociais” é um problema , pois a mudança pode representar um fator de desequilíbrio da estrutura
familiar da Casa-Lar. Indagados por que aceitaram a função, os “pais sociais” apontaram o fato de ser
gratificante trabalhar com crianças desamparadas e o desemprego como fatores motivadores para
aceitarem ser um “pai social” que é remunerado, com carteira assinada, direito a férias, 13º salário,
moradia para o casal e seus filhos naturais, o que os livra de aluguel e despesas gerais.
Uma das funções dos “pais sociais” é procurar maneiras do menor residente não perder o vínculo com sua
família, pois quando completam 18 anos, os menores têm que sair da instituição. O problema maior existe
é na pobreza, muitos menores estão ali por causa do desequilíbrio dentro da própria família e na maioria
dos casos há o abuso do álcool, o que acaba causando efeitos desastrosos. A maioria não eram meninos de
rua, eles estavam na rua. Crescem nas ruas e em conseqüência disso vão namorar cedo demais, ter filhos
sem nenhuma condição de vida digna, o que acarreta em uma nova geração de indivíduos na/da rua.
Possuem pouca formação cultural, às vezes contam somente com habilidades especiais para sobreviver na
rua. Não contam com alguém para lhes ensinar a ter limites e não podem planejar a própria vida.
Atualmente a instituição abriga 29 crianças entre 4 a 17 anos, distribuídas em três casas-lares. A casa-lar
1 é onde residem apenas os meninos mais velhos de 13 a 17 anos, na casa-lar 2 estão os meninos entre 4
e 12 anos; a casa-lar 3 é mista abrigando menores de 4 a 17 anos, sendo que os meninos são todos
pequenos, pois quando ficam maiores são transferidos para as outras casas.
A maioria dos menores residente é do sexo masculino (23), negros e mulatos (20). O fato dos menores
serem em sua maioria de cor negra – incluindo nesse grupo os mulatos – exemplifica algo que é
recorrente na história no Brasil: a maior parcela da população carente, desprovida de condições dignas de
vida (o que inclui direitos iguais) são em sua maioria de origem negra ou mulata. Não se pode negar,
como afirma Souza (2003, p.70), “no Brasil o que existe na verdade e um –“ branqueamento cultural” o
qual, erroneamente, induz muitos a acreditarem que no nosso país não há racismo, e que a única
questão relevante a ser enfrentada, em matéria de (in)justiça social, é a da pobreza”.
Os menores da CM possuem alfabetização precária – apesar de todos freqüentarem a escola –, vieram de
famílias de classe muito pobre e desestruturada. Muitos foram abandonados, outros sofriam
espancamentos e tinham caso de alcoolismo na família. A maioria possui mais de dois irmãos.
Após contato freqüente com os menores percebeu-se algumas características relevantes. Os internos
considerados mais rebeldes quase sempre não olham nos olhos das pessoas, se esquivam constantemente.
Alguns gostam do contato externo, no entanto não se abrem a uma relação mais “desarmada”. Estão
sempre com receio de alguma coisa. Além disso, nota-se uma (des) valorização do outro, a partir das
brincadeiras entre eles, envolvendo a depreciação pelo outro. A baixa auto-estima é muito significativa.
Os menores, em sua grande maioria, encaminhados pelo Conselho Tutelar são procedentes, como mostra
a TAB 1, das cidades de Coronel Fabriciano, Santana do Paraíso, Periquito além de outras cidades de
Minas Gerais como Timóteo, Hematita, Bela Vista de Minas, entre outras. Dois menores vieram da Bahia
e do Espírito Santo.
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Tabela 1 – Cidade de origem dos menores da CM
Cidade Quantidade
Coronel Fabriciano 13
Santana do Paraíso 2
Periquito 2
Outras cidades de
MG
10
Outros estados 2
Total 29
Os principais motivos que levaram os menores à CM estão apresentados na TAB. 2. Os motivos que
levaram os menores a serem encaminhados à CM não são únicos, ou seja, todos os menores apresentam
mais de um motivo responsável pela sua condição de menor desamparado. Entende-se como menores
desamparados aquele “... grupo caracterizado pela exclusão social e composto por crianças e
adolescentes, conceituados como pessoas em desenvolvimento” (Craidy,1998).
Na maioria dos casos os menores apresentam uma histórico familiar que conjuga, principalmente,
alcoolismo, pais separados e abandono. Consideramos aqui como menor abandonado aquele menor
“órfão de pais e mães vivos”, que foi abandonado em hospitais, Igrejas, entre outros lugares; muitos eram
recém-nascidos.
Dos 29 menores residentes, 7 eram meninos de rua ou estavam na rua. Consideramos como menino de/na
rua aqueles menores que possuem família, mas que passavam a maior parte do tempo nas ruas. No caso
do menino de rua, como mostra Craidy, “... eles podem estar fugindo de uma situação conflitiva ou
violenta e pode, ainda, estar simplesmente buscando o lazer e as emoções que a rua da cidade pode
oferecer e que estão ausentes do casebre miserável e da ruela estreita da favela em que moram”(Craidy,
1998, p.8).
Há o caso de uma menor de 16 anos que por apresentar um histórico familiar com problemas de
convivência com os pais, principalmente por não aceitar as normas impostas pelos pais, passava a maior
parte do tempo nas ruas. Há dois anos a menor procurou uma rádio da cidade de Coronel Fabriciano
pedindo que alguém arranjasse um lugar para ela viver. O Conselho Tutelar encaminhou a menor para a
CM, onde há mais de dois anos reside a menor em questão. Recentemente a menor fugiu para Belo
Horizonte, mas dias depois retornou à CM. Os casos de prostituição dos pais também são recorrentes no
histórico familiar dos menores. Há quatro menores que foram encaminhados para a CM pelo fato das
mães viverem da prostituição. Ainda segundo a TAB. 2, nove menores são filhos de pais separados e/ou
filhos de pais usuários de álcool; o mesmo número se repete para os menores abandonados.
Tabela 2 – Motivo de entrada dos menores na CM
Motivo Quantidade
Alcoolismo e/ou pais separados 9
Menino de/na rua 7
Órfão e/ou “mãe prostituída” 4
Abandonado 9
Total 29
6
Os dados da TAB. 3 mostram a distribuição dos menores por faixa etária. Atualmente, dos 29 menores
residentes, 13 estão na faixa etária de 11 a 15 anos, seguido por um grupo de 9 menores que estão na faixa
etária de 6 a 10 anos. Outros 5 menores estão na faixa etária de 16 a 18 anos e 2 menores estão na faixa
etária de 0 a 5 anos.
Tabela 3 – Distribuição por faixa etária dos menores residentes na CM
Faixa etária Menores
0 – 5 anos 2
6 – 10 anos 9
11 – 15 anos 13
16 – 18 anos 5
Total 29
Como foi dito, uma das características da CM é abrigar os menores somente até eles completarem 18
anos. A partir daí o menor, que já é maior, tem que sair da instituição. Espera-se que a sua passagem pela
instituição tenha lhe dado condições de sobreviver por conta própria. Muitos dos menores que atingem 18
anos não têm mais vínculo com a família ou não há ambiente familiar para abrigá-los, assim, torna-se um
drama completar 18 anos na CM. Há o caso de uma jovem que completou 18 anos e que vive esse drama,
pois, ela está na CM desde recém-nascida e não se tem notícias da família. Ela não tem para onde ir.
O tempo de residência dos menores na CM torna-se variável importante na vida dos menores.
Observamos que há uma relação entre o tempo de residência e o maior ou menor vínculo do menor
residente com a família. Há a tendência de que quanto maior for a permanência na CM, menor é o vínculo
familiar. A TAB. 4 mostra há quanto tempo os menores residem na CM. Dos 29 menores residentes, 10
residem há mais de 5 anos, enquanto que os outros 19 menores residem há menos de 5 anos na CM. Outro
dado importante é que 11 menores residem na CM há menos de 1 ano, o que indica considerável
rotatividade na CM.
Tabela 4 – Tempo de residência dos menores na CM
Tempo Quantidade
Menos de 1 ano 11
Mais de 1 ano 3
Menos de 5 anos 5
Mais de 5 anos 4
Mais de10 anos 6
Observou-se em alguns trechos das atas das reuniões da CM que testes psicológicos realizados pelo Pe.
Piazza em outubro de 1982, já apresentavam o problema da reintegração das crianças à família. Família
que muitas vezes não quer a criança, ou inexiste, ou não se adapta à volta do menor. Discussão ressaltada
também na reunião do dia 23/10/86 na qual estava em pauta o fato de os menores que completavam 18
anos, e tinham de sair da instituição, se sentirem abandonados e desprezados pelo “local que foi seu lar
por alguns anos”. Igualmente relevante é que muitos não possuem família ou estrutura para cuidar de si
7
próprio. De modo geral na fala dos “pais sociais” há uma certa descrença no fato de que os menores da
CM saiam da Instituição efetivamente preparada para sobreviverem “por conta própria”, dentro dos
padrões sociais ditos aceitáveis. Identificamos alguns casos de ex-residentes que após completarem 18
anos traçaram uma trajetória de marginalidade como meio de sobrevivência. No “final das contas, o
histórico familiar dos menores, em muitos casos, se sobrepõe ao nosso trabalho realizado na CM”.
Por outro lado, foram feitos contato com ex- residentes da CM que hoje possuem família e emprego
estável, ou seja, levam uma vida dita normal dentro dos parâmetros gestados em sociedade, pois, como
sugere, Erlobato & Barbosa (1984), família, escola e trabalho são elementos de integração social dos
indivíduos que compõem a sociedade.
Preparados ou não para enfrentar a vida, para lutar pela sobrevivência “por conta própria”, os menores ao
completarem a maior idade os menores têm que deixar a Instituição. Nas palavras de Craidy, “... o eterno
presente é traído pelo corpo que teima em crescer, em tomar formas, em impor novas necessidades, em
fazer-se adulto, em chegar aos temidos dezoito anos, nos quais desaparece o único privilégio
precariamente vivido...” (Craidy, 1998, p.23).
MORAR NA CIDADE DO MENOR É ESTAR EM OPOSIÇÃO À RUA QUE FICA NA “cidade
do maior”
A CM é o lugar do menor: está em oposição à rua, o não-lugar.Os internos demonstram uma grande
satisfação em estarem morando na CM e apesar de alguns, às vezes, sentirem saudades da família,
reconhecem que se voltassem para casa não teriam tantas possibilidades e acabariam por passar
dificuldades ou terem que enfrentar os mesmos problemas que os levaram até a CM. Muitos não gostam
nem de comentar sobre seu passado, sua vida fora dali, para muitos menores, deve ficar escondida em um
baú debaixo da cama.
Alguns menores (10%) possuem “padrinhos sociais” – membros da comunidade do Vale do Aço – que os
levam para passeios e viagens, além de participar da educação dos mesmos de modo mais geral. Apenas
17% dos menores possuem vínculo com a família, com a qual mantêm contato esporádico, visitando-as.
Mas o cotidiano de 73% dos menores se resume à CM, lugar de viver – morar, brincar, estudar, aprender
e compartilhar. Cotidiano que se propõe uma estrutura que garanta um ambiente saudável para o menor:
ambiente esse que não é encontrado “lá fora” (na “cidade do maior”).
COMUNICAÇÃO NOS ENTREMEIOS
A pesquisa intitulado “Na Cidade do Menor, a Geografia e a Comunicação Social como suportes para a
constituição do espaço público e a construção do cotidiano”, visto sob a perspectiva da
interdisciplinaridade, parceria dos cursos de Comunicação Social/Jornalismo e Geografia, envolveu a
percepção do cotidiano, a produção de sentido e o espaço geográfico, o que tornou de extrema
importância o exercício da percepção. “É no cotidiano que nos tornamos observadores de nós mesmos e
do próximo, isto vale dizer: do outro e do mundo, portanto, do território” (Mesquita e Brandão, 1995,
p.19).
Analisando a história da instituição, através dos documentos existentes, pode-se ter uma noção da sua
criação. Conversar com seu idealizador e seus cúmplices é perceber a presença viva da força nos
discursos, que no passado superou a falta de coragem de outros diante de um projeto de amparo às
crianças e adolescentes desprovidas de vínculos familiares formais. É também uma tentativa de
aproximar-se, cada vez, mais da versão ideal da realidade acerca do que se passou. Dessa forma as
entrevistas com Dom Lara, Selma Caldeira, José Maria, Clodomiro de Jesus, Irmão Theodorus e tantos
outros, apresentam fundamental importância para a constituição da pesquisa, que não teve apenas como
sua base o empírico.
Os entrevistados trouxeram versões sobre a Cidade do Menor, compostas de fotos, documentos, hinos e
melodias, além das lembranças imateriais. Através da análise desses discursos, a partir de estudos
bibliográficos, levantamento histórico e de pesquisa em campo, abordando a noção de espaço público e
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privado envolvendo nesse contexto a noção de cidadaniai ficou claro as raízes, tendências, ideologias que
permeiam o discurso atual não apenas da instituição como dos próprios menores. Que se apresentam
incompletos, se compondo e decompondo a cada momento.
A Cidade do Menor, durante toda a realização da pesquisa, constitui-se como uma incógnita para seus
pesquisadores. Vista como a Cidade dentro da cidade. Seus moradores dentro de um espaço, que ao
mesmo momento é privado e confunde-se com o público. É difícil até mesmo para os próprios menores
estabelecer a relação. “Deixado ao quase exclusivo jogo do mercado, o espaço vivido consagra
desigualdades e injustiças e termina por ser, em sua maior parte, um espaço sem cidadãos” (Santos,
1987, p. 43).
A casa lar é o protótipo que abriga uma família que muitos daqueles adolescentes e crianças, mesmo que
pretendam voltar a convivência com seus pais biológicos, almejariam ter. Modelo composto de ações e
regras reais, pais que amam, mas, também sabem punir quando necessário.
Diante das características apresentadas para dar seqüência a pesquisa o estranhamento foi constante. Ser
estrangeiro possibilitou uma visão diferente acerca do outro. É importante ressaltar, que como quaisquer
pesquisadores sentimos a dificuldade do primeiro encontro, dos confrontos entre os juízos de valores.
Com o passar dos tempos, tudo isso cedeu lugar ao conhecer composto por conversas, gestos, atitudes e
observação. Em busca de não se prender aos discorreres, ao palavreado analítico, fez-se essencial o
contato com o outro. Uma caminhada feita a quatro pés, ou mais que isso.
Por sua vez o relato de campo tem grande importância servindo como material de pesquisa. Demonstram
a subjetividade que envolve o pesquisador, demonstrando que ela também compõe a própria objetividade,
não deixando em momento a pesquisa menos científica. Esse quesito transita por outros trâmites.
Como material para explanações e aprofundamento do estudo, foram pensadas as Oficinas. Muito mais do
transmitir informações e atuar como mediadores pode-se obter experiências que só se são possíveis na
academia. A Universidade não se faz apenas nos seus limitados campi. Precisa está cada vez mais em
sintonia com a comunidade a sua volta, e oferecer a ela seus benefícios. Para que a troca ocorra faz-se
necessário que ambas as partes se encontrem.
Os pesquisadores puderam vivenciar o efeito, a realização das oficinas como todo o processo resultante
da pesquisa, além de possibilitar um contato maior com a realidade local, propiciou um envolvimento que
não pensavam em obter. Considerando, dessa forma, os suportes comunicativos como lugar possível de
apreensão e compreensão do cotidianoii e a possibilidade de expressar do modo que desejarem sua
noção/relação com os espaços, consigo próprio e com os outros. Permitindo aos mesmos se olharem
enquanto atores sociais. Analisar as percepções, as concepções e as representações que os moradores da
Cidade do Menor têm do espaço em que vivem através da análise dos discursos ali presentes.
Realizou-se então a “Pré-oficina”, de desenhos, com o intuito de perceber a noção dos menores em
relação aos espaços pelos quais transitam. Com uma dinâmica que buscava perceber a relação
interpessoal dos menores, o reconhecimento e a auto-localização. Na seqüência teve início à “Oficina de
Fotografia Amadora” que teve como finalidade complementar a atividade de representação de espaço e
relação interpessoal. Realizada com adolescentes de 12 a 16 anos na qual puderam fotografar, com uma
máquina automática, aquilo que quisessem. Finalmente “Oficina de Televisão” que teve como proposta a
produção de um vídeo, com a abordagem, tema, e formato definido pelos adolescentes (13 a 16 anos). A
partir do processo de feitura deste vídeo, buscou-se perceber como se constroem as identidades, e como
se perfazem os caminhos desse estudo vasto e plural que se fez diante de todos. O progresso da pesquisa,
além de privilegiar a interdisciplinaridade e exercitar a percepção, buscou identificar as condições de
materialidade, historicidade e geograficidade dos fatos humanos sociais presentes na CM.
A pesquisa visa chamar atenção para a necessidade do jornalista, ou do comunicador social, constituir-se
enquanto um mediador, resgatar a sensibilidade do no resgate do relato. Considerar o sujeito além de seu
papel social (pedreiro, prostituta, presidente), considerar ele enquanto humano autor e ator se sua própria
história. Transcender as barreiras do estrangeirismo e considerar o jornalista como personagem do
processo, assim como a fonte que não é objeto do jornalista, mas sujeito que se inter-relaciona com o
mundo à sua volta, construindo o seu conhecimento de acordo com a sua cotidianidade.
9
O estudo também possibilitou re-pensar o fazer jornalístico a partir da observação da relação do menor
com o suporte midiático, e do pesquisador com os menores. A comunicação, como um dos músculos do
desenvolvimento social, agrega valor à simplicidade complexa do cotidiano do sujeito que é autor e ator
de sua história. Sujeito o qual inventa seu cotidiano e, através de manifestações sutis, interfere na
organização / constituição do espaço público.
O jornalista é visto na pesquisa como ser que recorta o real, o cotidiano, e percebe as relações desse
processo em constante mutação. Considerando as relações do sujeito, enquanto ator social, com os
espaços, com as experiências e com o outro. Não ignorar as manifestações da linguagem que perfazem o
discurso desse sujeito que é o menor. Mostrar que a famigerada subjetividade é constituinte da
objetividade e às vezes essa subjetividade é o discurso, o relato pronto, e não cabe ao jornalista filtrar e
sim transpor esse relato.
Do mesmo modo, insistir em ler o discurso jornalístico como objetivo,
significa negar o caráter do jornal como veiculo que acolhe uma
pluralidade de linguagens que se multiplica em significantes , é
insistir no lugar mitificado de um repórter imparcial e , mais ainda,
desconsiderar o papel do leitor, (re)produtor de textos, inviabilizando
o ato jornalístico enquanto fenômeno que se processa nos dois níveis:
o da escrita e o da leitura. (Resende, 2002)
Todavia cabe ao jornalista permitir voz sem anular a própria. Não anular a sua subjetividade, diante do
fato em questão, ao relatar para outros. Valorizar o próprio olhar sem esconder que aquilo é o seu recorte,
pois não existe uma verdade acerca de um fato; apenas recortes. O jornalista como catador de relatos. Não
se apodera do discurso do outro, mas relatar, com uso das técnicas jornalísticas, sem excluir suas marcas
diante do fato, sem se esconder.
Percebe-se então a necessidade do jornalista, ou comunicador social, constituir-se um mediador de
realidades. Para isso, é preciso que ele passe e sinta o mesmo processo de sensibilização de seu olhar.
Sendo o produto algo construído com a interação com o outro.
Vale ainda ressaltar, algo essencial para apreender e compreender a transmutação dos sentidos e conceitos
através das percepções diversas: a necessidade de se desmistificar o fazer jornalismo. Acabar com a
profecia da veracidade absoluta, é preciso questionar o fazer, e re-fazer sem se desprender do
compromisso com seu papel dentro da esfera social. A comunicação se instala nos entremeios e
possibilita conexões entre fragmentos, os quais formam o todo. Realidade. Cada discurso como parte de
sua composição.
Dessa forma, as várias versões, leituras, invenções que o sujeito faz da realidade, se junta as dos outros
sujeitos e forma toda uma incompleta colcha de retalhos. Incompleta, pois estará sempre em expansão,
construçãoiii. Colcha de retalhos que é a realidade, o contexto, o qual é o grande modificador da cultura da
esfera social. Ao atentar-se para o processo de construção de tal colcha, para os retalhos e seus
respectivos constituintes; tem-se um melhor preparo para o manuseio da mesma. Conseguinte, os
entremeios da colcha, e a linha que os une, tornar-se-ão material forte, flexível, mutável, consistente.
i “A cidadania é uma lei da sociedade que, sem distinção, atinge a todos e investe cada qual com a força de se ver respeitado
contra a força em qualquer circunstancia.”(Santos, 1987, p.7)
ii “A vida cotidiana apresenta-se como uma realidade interpretada pelos homens e subjetivamente dotada de sentido para eles
na medida em que forma um mundo coerente” (Berger, Luckmann, 1985, p.35).
iii “Através da análise da maneira pela qual cada um recebe uma bagagem de conhecimentos e de atitudes, enriquece-a com sua
experiência, a transforma, e a interioriza tentando assegurar sua coerência; fica esclarecida a natureza das identidades e a
maneira como elas se constroem no espaço público” (Resende, 2002, p.1).
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BERGER, Peter, LUCKMAN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de sociologia do
conhecimento. Petrópolis, RJ: Vozes, 1985. 247p.
CRAIDY, Carmem Maria. Meninos de rua e analfabetismo. Porto Alegre: ArtMed, 1998. 87p.
ERLOBATO, Mário L., BARBOSA, Júlio César T. Comunicação e cotidiano. São Paulo: Papirus, 1984.
192p.
FUNCELFA. Livro de Atas, 1972, 1986, 1987.
MESQUITA, Zilá, BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Territórios do cotidiano: uma introdução a novos
olhares e experiências. Porto Alegre/ Santa Cruz do Sul: Ed. Universidade/ UFRGS/ Ed. Universidade da
Santa Cruz do Sul/ UNISC, 1995. 206p.
RESENDE, Fernando Antonio. Textuações: ficção e fato no novo jornalismo de Tom Wolfe. São Paulo:
Annablume/Fapesp, 2002. 108p.
SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. São Paulo: Nobel, 1987. 142p.
SOUZA, Marcelo Lopes de. ABC do desenvolvimento urbano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
190p.