domingo, 31 de dezembro de 2017

espasmo






O amargo que percorre a língua encontra fim ao derramar na mente o pote de ideias em suspensão. O soluço não precede a rima ou soluciona o ocorrido. Ele causa a pausa. Da pausa o pulo, no pulo o sopro sem sofrimento. O corpo contorna as frases espalhadas na escuridão de um dia frio. O amargo então é o novo doce no repertório de sensações. A textura das frases, quando tocada, muda os sentidos transformando as palavras.

Observo como você manipula a carne. E a carne sucumbe aos seus gracejos, sem nem imaginar o processo de necrose em crescimento. A matéria se transforma, como qualquer outra no mundo, se rende a algum tipo de força... Não pisava nos astros distraída, se achava um novo sistema, independente, alimentando-se do derredor. Sábio foi o beija-flor que distanciou seu voo e desdobrou seu horizonte de forma a repousar sua paz na liberdade da distância.





quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Barato da vida


Foi o chão de encontro aos seus pés na manhã nublada de pensamentos espasmódicos. "Quão barato é uma vida..." A frase marcava o ritmo de suas passadas. Ver como era fácil retirar do bolso algumas notas e levar um animal de uma loja para casa. Na quase extinta banca de jornais e revistas percebe nas páginas como se mata por pouco, por um objeto, por orgulho travestido de honra e egoísmo envelopado em moral.  Assim como as plantas rompem o solo em busca do céu, crianças rompem o ventre e aumentam as estatísticas. O vento impõe na paisagem movimentos e sensações que despertam o corpo para um olhar de menos dor e cansaço, mas de esperança. Neste momento, o barato da vida se intensifica, atenua as lamentações de forma a fazer sucumbir os dogmas dos intelectuais. O valor. Peça chave nas relações humanas, determina também o perfil de interação com o ambiente. O valor que as coisas possuem, que difere do valor que colocamos nas coisas, o valor que buscamos acumular, o valor que dispomos para compartilhar. Valores imensuráveis, materiais, sociais, espirituais e de natureza que desconhecemos.

Não consigo ouvir meus pensamentos e encontrar neles a importância que um dia encontrei. Cabe saber se a importância que eu havia encontrado há tempos devia-se a imaturidade do infante apaixonado ou se existiu apenas naquela época, naquela faísca de brilhantismo que me empoderou a ansiar ser mais do que o reflexo, mas transformar com a refração.

Entretanto, o mergulho no horizonte sempre revela o que estava calado dentro.


segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

versos radiais

A teia dela estava consolidada ao canto, expandindo em seus versos radiais de forma a tocar o tempo. Que o vento não mais faça curva e desenhe a silhueta do seu corpo no meu escuro, interferindo na minha percepção do que passa, minha experiência com o que fica. Gotículas brilhavam em seus fios como sinalizadores de uma pista de voo. Impreciso; a lucidez de identificar a armadilha natural que a aproximação tornaria, que a contemplação instigaria. A primeira gota sobre a cabeça ilumina o cenário, a teia então torna-se apenas um risco, suspenso no vento, prestes a ser rompido, gerando outros fios.

Teia ao canto
desfiladeiro iminente
suntuosa escuridão

brilho que prende
nu vento que liberta
armadilha em um risco

Ateia o corpo
flamejante canto
que centro agora é

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

o que se quer



Uma análise ponderada sobre as ações de sustentabilidade (de todos os atores sociais) pontuadas pelo agenda setting, percebe-se que a multiplicidade envolve a todos em uma noção equivocada de transparência e responsabilização. As empresas não estão preocupadas com a atuação em localidades, as chamadas comunidades. Tampouco as consultorias por elas contratadas (visam lucro e reputação), ou as certificadoras que fiscalizam processos (visam reputação e ampliação de mercado controlado). Tudo é arquitetado para se obter uma licença social, uma aceitação de intervenção e presença de forma a controlar tensões e conflitos de interesses sem atrapalhar o fluxo do desenvolvimento econômico. A gestão pública não está interessada em primeiro plano na demanda da população, mas sim na manutenção do poder e para isso negocia benefícios, emendas, recursos, cargos e os rotula de ação social e estratégia. O atendimento popular é então apenas o efeito de retardo das articulações, o efeito colateral da defesa de interesses de quem está no poder. Assim, toda ação social contemporânea carrega um retrogosto de interesse financeiro, com tons aromáticos de vaidade (até mesmo misturado de altruísmo).

A ansiedade por obter boa imagem faz de todos “lobos em pele de cordeiro” alternando-se entre ser a vítima e o carrasco. Faz-se necessário definir antes de agir qual o nível aceitável de hipocrisia ou transparência ao se estabelecer as relações. O mesmo deve ser definido no discurso propagado. A grande vítima por outro lado (comunidades), não apenas é lesada, mas também se faz algoz, em proporções devidas. Não está preocupada tanto assim com o próximo, mas essencialmente consigo mesmo, com sua subsistência e posteriormente com sua alavancada na qualidade de vida, rumo ao status de quem detém poder, ou pelo menos quem não sofre tanto com ele. A preocupação com o meio ambiente não é amor à natureza, mas interesse em manter viável o local em que vive e de onde retira recursos. Por muitas vezes é até uma submissão de subsistência a alguma crença. Outrossim, pessoas condenam a iniciativa privada ao mesmo tempo em que almejam um cargo dentro delas, para essencialmente repetir o que já é feito.

Chove dentro e fora. As mudanças existem. Encontrei em uma caminhada sem precedentes pessoas simples. Simplicidade que não se refere a posses, a vestuário ou vocabulário. Mas uma simplicidade de olhar a vida e tocar o outro. A maneira leve de perceber as coisas complexas da vida sem afetar-se em um processo destrutivo, ou filantrópico. Tampouco essas pessoas desejam divulgação de seus atos, nomes, imagem. Nem dinheiro, nem abraços. Não era condicional o que faziam. Suas necessidades eram supridas de outra forma. Não eram santos no sentido sacro, pois cada qual guardava suas imperfeições, mas talvez o eram no sentido da palavra, “separados” diferentes de um modo que todos podem ser.

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terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Negócios sociais e a atrofia do querer



Observando as atuais parcerias entre iniciativas privadas e entidades sociais percebe-se a tendência na criação de estruturas de Negócios Sociais (que difere de uma organização sem fins lucrativos pois deve buscar lucro moderado para expandir o alcance da empresa, melhorar o produto ou serviço sem tornar-se essencialmente comercial, tampouco desmembrar-se da missão social). Atividades tradicionais de arte ou subsistência cultural são então formatadas em um modelo básico de negócio para gerar trabalho e renda.

No entanto, a perenidade destes novos negócios sociais, forjados sob a tutela de associações, é comprometida uma vez que não foram devidamente trabalhados os aspectos de interesse e engajamento dos participantes. Pois para a iniciativa privada, no exercício de sua responsabilidade social, é mais interessante a criação de um negócio social, pois os conceitos agregam valor às marcas que o impulsionam, todavia, os integrantes contemplados de tais parcerias (a comunidade) querem que o negócio social transforme a vida deles de forma a mudar de maneira expressiva a condição de vida. Desejam ainda que o negócio social se torne um negócio comercial lucrativo, em pouco tempo. Assim, aos poucos, a constatação do paradoxo em que se encontram se desenlaça no abandono dos integrantes da iniciativa ou na retração do negócio social, tornando-o dependente de uma iniciativa privada ou pública como mantenedora.

O indivíduo oscila então entre os negócios sociais e a atrofia do querer. Os sonhos individuais devem então respeitar a peneira que iguala o poder social chamando-o de vocação cultural da comunidade e anseio social. Neste sentido, a iniciativa privada o afoga em uma série de treinamentos motivacionais e visitas a outros negócios sociais, para sensibilizar o indivíduo a ceder aos interesses, ou missão social do negócio. O foco da iniciativa privada é a uniformização social pelo negócio controlado conceitualmente e independente financeiramente sem tornar-se comercial por essência. O equilíbrio nestas relações talvez possa ser vislumbrado a partir de uma correta leitura do ambiente e respectivos interesses das partes envolvidas. Neste cenário proposto, a iniciativa privada deve se destituir do papel de déspota, o poder público e a comunidade do de vítima. A construção do diálogo necessário passa por um processo de atrofia do querer individual, para remodelar o que a parte dominante determina ser interesse coletivo. A reflexão sobre os interesses se faz necessária; antes do imediatismo da iniciativa privada em fazer parcerias (e mitigar conflitos sociais), das comunidades em ganhar dinheiro (mudar de vida) e do poder público de obter recursos e imagens (manutenção política).

Antes de firmar uma parceria, conhecer o espaço e seus personagens. Conflitar interesses e construir um objetivo consensual, estabelecendo então a missão social do novo negócio. O passo seguinte então é formatar o negócio e potencializá-lo no mercado. Após o suporte inicial, propiciar então a sustentabilidade financeira, econômica, operacional, ambiental e social do negócio. Estabelecendo a margem de lucro moderado como meta. Lucro este que prevê a remuneração de mercado para os participantes e investimento na expansão de mercado e melhoria de produto, sem ferir a missão.

Só então se inicia a execução do planejamento de divulgação do Negócio Social como fruto de sucesso da parceria entre a iniciativa privada e a comunidade. O que vemos hoje é o contrário; empresas afoitas a fechar parcerias com o foco em controlar um conflito social por meio da exacerbada divulgação de uma atuação local ou parceria firmada, sem considerar a verdadeira demanda e o modo efetivo de atender. A questão não é divulgar mais, mas sim fazer melhor as parcerias sociais. Quando as empresas e instituições (públicas e privadas) compreenderem isso, o cenário mudará significativamente e a divulgação ganhará mais forma pois o conteúdo é algo sólido e não filantropia mascarada de vanguarda social.

este assunto renderá mais por aqui...