domingo, 7 de maio de 2017

Raspas



O apagar as luzes da sala de teatro é abrir uma nova dimensão dentro de nós. Somos, na plateia, um novo personagem na trama. Os conceitos se transformam no silêncio. Vivenciamos ao mesmo tempo o personagem que somos e a persona que assistimos. Não era o que se esperava, pois o que esperava era o que ali não haveria naquelas circunstâncias. O tremor, as sirenes, os suspiros. As paredes não abraçam, não contêm nem libertam. Deveria estender mais o olhar para perceber dobrar ao longe de sua face o frescor de um novo dia. Deveria ter atentado para os detalhes da crueldade dos olhos que brilhavam no escuro. A sanidade encontrada na desilusão.

O pouso do beija-flor e seu voo. Antecede a flor. Rompe o broto o solo úmido. Fere a terra para crescer, busca a luz sem alçar um olhar, estende seus ramos, firma-se no horizonte. Entre brisa, orvalho, pleno sol, chuva, luz. Entre folhas, floresce. Começa então seu outro momento, à espera de um beijo. O corpo que se curva ao vento, reconhece seus membros, aprende a voar. Aprende a se apaixonar.

Áspero, sua suavidade desanuviou na textura de suas lembranças. Assim, ela  seguiu sem sentir seus dedos se entrelaçarem na mão de quem puramente a ama. Flor. Escolheu o luxo, e as mentiras, abraçou a conveniência, o ensaio ao invés do pleno ato. Despetalada. Cozia suas memórias alinhavando com suas dores. Mas o bom ator sabe que não há atuação dentro da própria mente. O corpo é o próprio texto para quem sabe ler em braile. O Corpo manifesta o que as falas do personagem não conseguem transmitir. A luz é uma narrativa à parte (como em Urgente da Luna Lunera). O tempo é diretor, regente, é argumento, é personagem.

Quando confiança perdeu as palavras, me calo, me castro, me rompo em simplicidade uma vez que meu aberto universo não repousa em conceitos cotidianos. A medida da beleza submetida ao rigor de um outro olhar, perpassa o coração e faz mais uma vez florir. Não é o prédio que está caindo. O beija-flor alça seu olhar, renova seu voo, transforma-se no silêncio, esse anjo.

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