sexta-feira, 10 de março de 2017

cortejo



O dia em que me mataram não foi um dia. Não foi o clichê de um livro autoajuda, com uma mensagem refrescante de um revigorar do empoderamento. O dia em que me mataram, com minha ajuda, foi mais um momento sublime no mundo. Belo.

Furtaram de meus lábios as belas palavras para fazerem florir os jardins que despetalaram; drenaram de meus poros o suor para seus templos, seus relatórios, gozos, suas alianças forjadas no egocentrismo. Sobrou-me as migalhas da confusão, os conceitos desprezíveis de uma frase, os adjetivos que não harmonizam ao paladar.

Castraram o olhar, dobrando o horizonte. Amarraram o sorriso na amargura de sempre quererem mais, e nunca alimentarem a fonte dos sorrisos. O amor... esse, eles torturaram de todas as maneiras que dispuseram. Permiti na esperança de que um dia acordassem, e refletissem e mudassem. Permiti na esperança. O credo que cravou minha história em minhas rugas, meu silêncio em minhas limitações. Não foi um roubo, não foi um crime, foi uma mais ação de sobrevivência daqueles que perpassam minha vida, assim como a de tantos. No ínterim dos últimos suspiros veio-me a indagação sobre quem ajudei a matar, quem matei, simultaneamente ao meu processo de morte. Somos interferências e não paralelas, somos intercessões inomináveis.

Esse cortejo é poema, é o cortejar a donzela de vidro trincado a ferir meus versos. A felicidade de um bom olhar, o sorriso prestativo, a intensidade de amar, de ouvir, de buscar e de ser.

O domínio da luz do sol sobre as plantas, o domínio de seu calor sobre mim. A chuva delineando meus poros, inundando minhas ideias e contendo meus passos. Não corro. Banho-me. A natureza me envolve como parte dela. No vento estou, nas migalhas da paisagem, no perfume que vem sem anúncio, sem paradeiro.

segue-se

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