quinta-feira, 16 de março de 2017

Estado Poder e Bem-estar


Antes de olhar o Estado e suas configurações, olhar o indivíduo. Pensar o querer geral e ser racional (lembrando Immanuel Kant) e também perceber a relação dos seres com os espaços a partir do interesse e suas vertentes diversas. Os indivíduos com objetivos específicos, interesses pessoais se tornam seres sociais. Os seres sociais buscam estabelecer um ordenamento embasado no interesse coletivo. Todavia, o interesse coletivo é por muitas vezes uma roupagem aceitável do Interesse Dominante. Ou seja, um indivíduo articula seu interesse pessoal de forma a viabilizá-lo como o interesse de um ser social com potencial de se transformar em interesse coletivo. Por persuasão, submissão ou identificação para alcançar fins pessoais, outros seres sociais tornam-se adeptos do interesse proposto tornando-o Coletivo. Quando analisado em profundidade, este interesse nada mais é do que o interesse dominante não de um grupo, mas de um ser com poder articulador às vezes imperceptível em sua ação, mas evidente em suas consequências.

O aspecto moral dos modelos de socialização do poder e modelamento econômico deve ser considerado para redefinir a Ordem Social de forma a fortalecer o Estado Contemporâneo, conforme aborda Keynes, baseado em liberdade (livre mercado) com maior participação do Estado (moderador). Essa base liberal onde acesso e oferta são instrumentos de moderação do Estado merece atenção para compreender os desdobramentos na contemporaneidade. Keynes defendia processos abertos, passíveis de manutenção (ex: capitalismo) onde a liquidez é uma instância de consumo, entre o presente e futuro.

As demandas sociais pertinentes são então vistas como questões periféricas. Atributos como o Pleno Emprego se instala como elemento fundamental para o bem-estar social. Assim, os mecanismos de controle do planejamento político evocaram dos players maior conhecimento e domínio de mercado e finanças (Uma vez que o estado na era do Welfare não controlava efetivamente as práticas econômicas privadas, nem sob o aspecto de produção), e compreender modelo de negócio (produção / demanda / mercado / consumo). Neste cenário, com a premissa de exercer o referido controle e participação, o Estado busca promover melhor distribuição e organização dos recursos e promover melhorias na remuneração em busca do Bem-estar social. Lembra muito o projeto de Renda Mínima do ex-senador da república Eduardo Suplicy (Renda de Cidadania: A Saída É Pela Porta). Realidade ou utopia? Mecanismo de alienação ou acesso social a recursos?
Reformas sociais então transitam entre assistencialismo e distanciamento social sob um viés de redistribuição igualitário de recursos e riquezas, com nuances de concessão de poder, nem que seja de consumo.

As configurações do poder esbarram em aspectos recorrentes da organização social, em função de muitas vezes serem especificidades do ser humano. A estabilidade (via plano emprego) tornou-se, na contemporaneidade, o "ouro de tolo" da população, manejada agora por uma nova configuração política. Configuração na qual a esquerda, ou nova esquerda como se refere o autor (Deborah Farah) surge com um viés mais articulador do que extremista, fugindo de um capitalismo radical e de um socialismo burocrático por demasia. A demanda pujante por um novo Estado reflete o nascimento de uma nova sociedade, com outro poder de posicionamento de suas demandas e modo de exercer pressão. Há então uma demanda significativa por mais agilidade na dispersão e homogeneização social das narrativas de poder e controle; fato que pressionou mudança em plataformas e narrativas de comunicação e repasse de informações. A massa exerce pressão sobre o Estado em busca de respectivos direitos.

O Estado então, decisório da política, precisa de uma licença social. É necessário que a população (concordando ou não) aceite e valide o processo político para que a diretriz do estado seja executada e permaneça vigente. Os conflitos sociais que antes perpassavam o choque entre classes (Burguesia e Operariado) agora se instala em individualidades e seus valores (gênero, sexo, profissão, e etc.) e não em ideologias de massa. Portanto, entidades representativas, tais como Sindicatos, perdem poder de mobilização e interferência, fato que leva o Estado a formar redes de colaboração com a iniciativa privada, essa que se tornou parceira mais presente nas políticas públicas. A voz da sociedade, sua participação, é compreendida então pelo Estado como algo fundamental para a construção da democracia, porém arbitrariedade (exercida pelo Estado ou órgão regulador) é o que regula e viabiliza processos democráticos.

Como já disse em outro texto, a globalização estimulou a integração de padrões territoriais de modo a possibilitar o diálogo de “tribos”, de suas demandas, anseios e oportunidades de saciá-las além fronteiras; considerando demandas e anseios nos aspectos culturais, econômicos, intelectuais, de subsistência e desenvolvimento.

Neste ínterim, a arte e suas diversas concepções, tornou-se instrumento essencial de manutenção dos padrões sociais; tanto para reafirmar quanto para romper paradigmas e sobrepor dogmas. Desta forma, a noção de identidade de um ator social depende de suas singularidades enquanto indivíduo e de sua interação na paisagem social, perpassando pelas influências em “si” dos produtos culturais que consome, acessa ou até mesmo reproduz. Isto pode ser observado nas dinâmicas de apropriação e ocupação territorial e interações consequentes, definindo regras e limites, espaço público e privado. Portanto, percebe-se cada vez mais que identidades culturais volúveis e segmentadas tomam lugar de destaque social ante as identidades culturais tradicionais, fato que evoca mudança na maneira de transmitir a história a gerações futuras.


Outro viés da Globalização é a mudança do mercado e seu controle. Pois agora a demanda não dita as regras, mas os fluxos de sobrevivência e competitividade também interferem no processo, uma vez que geram fluxos que vão além de demandas existentes, criando outras "necessidades" que até então a sociedade não imaginava e o Estado nem concebe uma forma de gerir, moderar ou participar. Esse novo cenário propicia mudanças nas relações de trabalho e dispersão de produção e produtos, com certa flexibilização que reorganiza o consumo. A nova organização econômica passa então empodeirar o sujeito enquanto consumidor de inovações, gerador de novas demandas. Estabelece-se assim nova ruptura no modelamento estrutural do Estado, que vê suas premissas escorrerem junto à chuva da vanguarda.

Publicado também em minha página no Obvious - http://obviousmag.org/rumos/

sexta-feira, 10 de março de 2017

cortejo



O dia em que me mataram não foi um dia. Não foi o clichê de um livro autoajuda, com uma mensagem refrescante de um revigorar do empoderamento. O dia em que me mataram, com minha ajuda, foi mais um momento sublime no mundo. Belo.

Furtaram de meus lábios as belas palavras para fazerem florir os jardins que despetalaram; drenaram de meus poros o suor para seus templos, seus relatórios, gozos, suas alianças forjadas no egocentrismo. Sobrou-me as migalhas da confusão, os conceitos desprezíveis de uma frase, os adjetivos que não harmonizam ao paladar.

Castraram o olhar, dobrando o horizonte. Amarraram o sorriso na amargura de sempre quererem mais, e nunca alimentarem a fonte dos sorrisos. O amor... esse, eles torturaram de todas as maneiras que dispuseram. Permiti na esperança de que um dia acordassem, e refletissem e mudassem. Permiti na esperança. O credo que cravou minha história em minhas rugas, meu silêncio em minhas limitações. Não foi um roubo, não foi um crime, foi uma mais ação de sobrevivência daqueles que perpassam minha vida, assim como a de tantos. No ínterim dos últimos suspiros veio-me a indagação sobre quem ajudei a matar, quem matei, simultaneamente ao meu processo de morte. Somos interferências e não paralelas, somos intercessões inomináveis.

Esse cortejo é poema, é o cortejar a donzela de vidro trincado a ferir meus versos. A felicidade de um bom olhar, o sorriso prestativo, a intensidade de amar, de ouvir, de buscar e de ser.

O domínio da luz do sol sobre as plantas, o domínio de seu calor sobre mim. A chuva delineando meus poros, inundando minhas ideias e contendo meus passos. Não corro. Banho-me. A natureza me envolve como parte dela. No vento estou, nas migalhas da paisagem, no perfume que vem sem anúncio, sem paradeiro.

segue-se