segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Títeres


Espera-se compreender o ser humano e o desdobramento de suas ações na manutenção da sociedade. Para isso, faz-se necessário observar suas diversas relações e padrões de comportamento e evolução. Alguns sociólogos e antropólogos acreditavam que para atingir a desejada análise do ser, era necessário destituí-lo de tudo que o compõe e observa separadamente e depois verificar o conjunto. Uma busca por constantes universais do traço humano.


As constantes universais não se constituem a melhor estratégia para compreender a constituição do ser humano. Clifford Geertz já afirmou que “pode ser que nas particularidades dos povos sejam encontradas algumas revelações mais instrutivas sobre o que é genericamente humano” (GEERTZ 1989).


Assim, ao observar o modus operandi do indivíduo enquanto sujeito social, percebe-se que ele alterna entre momentos de busca por poder e transferência de poder para evitar desgaste e obter zonas de conforto.


No que concerne a representação social, importante verificar a personifersonalização política reflete uma busca humana por referenciais que guiam e representam a massa em cenários complexos. No entanto, quando direcionado o referencial para um personagem, se ele cai moralmente, corrompe uma ideologia e rotula os representados. a transferência de atribuições e responsabilidades faz com que um personagem esteja acima de grupos. A individualização da representação social propicia o colapso moral do que se entende como sociedade. No entanto, esse processo é característica humana em busca de referenciais.


O processo supracitado favorece também à alienação. Um exemplo pode ser observado no comportamento social nas eleições. O desconhecimento sobre o funcionamento do processo político das listas fechadas e abertas e voto de legenda faz com que a tradição por personalizar eleja famosos e emposse oportunistas de baixa representatividade. Deste modo, nada muda; enquanto se depositar a esperança de um mundo melhor em um personagem, um salvador, e não em uma instituição política comprometida com demandas e valores sociais. A massa busca por um Messias, mas elege sempre um Pilatos, aliando-se a Barrabás. Revisitar a história política no Brasil e no mundo e transitar por trajetórias pessoais que interferiram na ordem social com o pretexto de defender interesses coletivos. Pense em épocas e lembrará de nomes  ao invés de pensamentos. O ser humano vive em busca de referenciar tudo o que vê e conhece,e se possível personaliza, delegando funções que o permitam voltar para zona de conforto social.


A construção do ideal a partir de uma personagem tem causado furor social no Brasil, pois uma ideologia e plano de governo não pode ser preso, ou ter a vida pessoal desmoralizada, mas um personagem sim. As recorrentes investigações em diversas esferas, com punição, prisões e até mesmo desconstrução dos personagens eleitos têm exigido da população uma reflexão sobre os referenciais, a busca por novos personagens e até mesmo um novo olhar sobre o modelamento político social, que deve transitar da personalização para uma madura cultura colaborativa, talvez como no visionário La Belle Verte (França: 1996 Dir. Coline Serreau).


Portanto, para melhor conceber uma percepção do ser humano no processo de personalização de sua  na sociedade, definindo um sujeito como soberano das decisões da massa, é fundamental fazer uma leitura de paisagem, mais abrangente, compreendendo a formação da consciência crítica e como se forma a esfera e opinião pública.


  • Opinião Pública - (não)


“A esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos. Do mesmo modo que o mundo da vida tomado globalmente, a esfera pública se reproduz através do agir comunicativo, implicando apenas o domínio de uma linguagem natural; ela está em sintonia com a compreensibilidade geral da prática comunicativa cotidiana.” (HABERMAS, 2003: 92).


Considerando a imprensa, a mídia, o termômetro e cajado social, é relevante ver à luz da escola de Frankfurt, a maneira que a comunicação interfere e modula a política social. Trata-se de um olhar que vai além da teoria do agendamento (Agenda Setting) mas que consegue observar os discursos serem embalados em uma narrativa que transforma um interesse segmentado (ou até mesmo individual) em patrimônio cultural da massa, interferindo assim nos padrões de comportamento social. A mídia alimenta o que condena para manter-se no fiel da balança de interesses. Com o avanço das plataformas, o ciberespaço e a inteligência coletiva (conforme concebe Levy) tornou-se palco do fazer político, empoderando a comunicação. A organização política ganha assim novas nuances de articulação com as novas plataformas e linguagens de comunicação. A interação social então é contaminada pelo repertório de cada indivíduo, mas elementarmente pelo que considera coletivo, público ou privado; seja o espaço, seja o discurso.


Então emerge, na Era da Informação, a dicotomia entre Opinião Pública e Opinião tornada pública (Publicada). A autonomia da população e sua pública opinião é questionável, uma vez que é orquestrada pela mídia. É possível verificar então um processo de teatralização dos discursos. A opinião pública não existe para Bordieu, pelo menos não como concebem e defendem os meios de comunicação e pesquisa.

Uma das dimensões muito importantes da teatralização é a teatralização do interesse pelo interesse geral; é a teatralização da convicção do interesse pelo universal, do desinteresse do homem político – teatralização da fé no padre, da convição do homem político, de sua confiança naquilo que faz. Se a teatralização da convicção faz parte das condições tácitas do exercício da profissão de clérigo – se um professor de filosofia deve parecer acreditar na filosofia -, é porque é a homenagem fundamental do personagem oficial para com a autoridade; é aquilo que precisa conceder à autoridade para ser uma autoridade, para ser um verdadeiro personagem oficial. O desinteresse não é uma virtude secundária: é a virtude política de todos os mandatários. As escapadelas dos padres, os escândalos políticos são o colapso dessa espécie de fé política na qual todos estão de má-fé, a fé sendo uma espécie de má-fé coletiva, no sentido sartriano: um jogo no qual todos mentem a si mesmos e aos outros, sabendo que os outros também mentem a si mesmos. (Bourdieu 2012)

"Um homem oficial é um ventríloquo que fala em nome do Estado" (BOURDIEU 2012). A comunicação política  deveria atuar como instrumento de esclarecimento e embasamento para a opinião pública escolher os rumos da sociedade. Além de instrumento de argumento para tomada de decisão, a comunicação deveria ser um mediador do diálogo transparente da gestão pública e atuação política com a sociedade. Entretanto, ela funciona como um cabresto de influência com uma narrativa viciada em prol de um personagem e não do público, revelando deste modo um dos riscos de personalizar a política.


A mídia (meio) exerce então poder de controle e não de mediação na sociedade e a política (tudo referente a cidade, civilização e público) cada vez mais se restringe a artimanhas concernentes aos interesses de alguns personagens detentores de poder;poder esse concedido pela massa que o condena. E esse quadro não muda apenas com as recorrentes manifestações e rompimentos cíclicos na história da humanidade, pois eles caracterizam enas a transição de paradigmas como defende Kuhn e sua revolução científica. A mudança almejada no modelamento político da sociedade depende de um processo de “desaprendizado” como defendia Manoel de Barros em seus livros. Buscai as pré-coisas e vislumbrem um novo horizonte debaixo dos pés. Caso contrário, permaneceremos na dança dos títeres. Alternando apenas funcionalidades e paradigmas.

BOURDIEU, Pierre. Fonte: Le Monde Diplomatique – Il manifesto, via micromega Janeiro de 2012 / Tradução: Mario S. Mieli


GEERTZ, Clifford: A interpretação das culturas, Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1989.


HABERMAS, J. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,1984.

Publicado também em minha página no Obvious - http://obviousmag.org/rumos

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