domingo, 26 de fevereiro de 2017

és texto



Uma tristeza sem anúncios se instalou no instante; intensa, sorrateira. Sem movimento, ela interferiu no olhar. Assim, as cores apresentaram uma tonalidade que não conheci. E o perceber o tempo se tornou um exílio.

Carne, corpos e escolhas. Transeuntes de um hall que esconde vaidades, necessidades, desejos e aflições. Narrativas pontuadas pelo corpo que fala, pelos gestos, pelas roupas, pelos cheiros, e silêncios. Transeuntes são estandarte de um estilo, pintando a diversidade dos saguões. Observo. O sentimento é refém.

O cansaço e o aprender a descansar. Destroços e distrações.
Reluz então o esplendor pujante que me refaz escolhas.
és tu texto, impregno-me de ti
e ler é tornar-se cúmplice do porvir...

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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Títeres


Espera-se compreender o ser humano e o desdobramento de suas ações na manutenção da sociedade. Para isso, faz-se necessário observar suas diversas relações e padrões de comportamento e evolução. Alguns sociólogos e antropólogos acreditavam que para atingir a desejada análise do ser, era necessário destituí-lo de tudo que o compõe e observa separadamente e depois verificar o conjunto. Uma busca por constantes universais do traço humano.


As constantes universais não se constituem a melhor estratégia para compreender a constituição do ser humano. Clifford Geertz já afirmou que “pode ser que nas particularidades dos povos sejam encontradas algumas revelações mais instrutivas sobre o que é genericamente humano” (GEERTZ 1989).


Assim, ao observar o modus operandi do indivíduo enquanto sujeito social, percebe-se que ele alterna entre momentos de busca por poder e transferência de poder para evitar desgaste e obter zonas de conforto.


No que concerne a representação social, importante verificar a personifersonalização política reflete uma busca humana por referenciais que guiam e representam a massa em cenários complexos. No entanto, quando direcionado o referencial para um personagem, se ele cai moralmente, corrompe uma ideologia e rotula os representados. a transferência de atribuições e responsabilidades faz com que um personagem esteja acima de grupos. A individualização da representação social propicia o colapso moral do que se entende como sociedade. No entanto, esse processo é característica humana em busca de referenciais.


O processo supracitado favorece também à alienação. Um exemplo pode ser observado no comportamento social nas eleições. O desconhecimento sobre o funcionamento do processo político das listas fechadas e abertas e voto de legenda faz com que a tradição por personalizar eleja famosos e emposse oportunistas de baixa representatividade. Deste modo, nada muda; enquanto se depositar a esperança de um mundo melhor em um personagem, um salvador, e não em uma instituição política comprometida com demandas e valores sociais. A massa busca por um Messias, mas elege sempre um Pilatos, aliando-se a Barrabás. Revisitar a história política no Brasil e no mundo e transitar por trajetórias pessoais que interferiram na ordem social com o pretexto de defender interesses coletivos. Pense em épocas e lembrará de nomes  ao invés de pensamentos. O ser humano vive em busca de referenciar tudo o que vê e conhece,e se possível personaliza, delegando funções que o permitam voltar para zona de conforto social.


A construção do ideal a partir de uma personagem tem causado furor social no Brasil, pois uma ideologia e plano de governo não pode ser preso, ou ter a vida pessoal desmoralizada, mas um personagem sim. As recorrentes investigações em diversas esferas, com punição, prisões e até mesmo desconstrução dos personagens eleitos têm exigido da população uma reflexão sobre os referenciais, a busca por novos personagens e até mesmo um novo olhar sobre o modelamento político social, que deve transitar da personalização para uma madura cultura colaborativa, talvez como no visionário La Belle Verte (França: 1996 Dir. Coline Serreau).


Portanto, para melhor conceber uma percepção do ser humano no processo de personalização de sua  na sociedade, definindo um sujeito como soberano das decisões da massa, é fundamental fazer uma leitura de paisagem, mais abrangente, compreendendo a formação da consciência crítica e como se forma a esfera e opinião pública.


  • Opinião Pública - (não)


“A esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos. Do mesmo modo que o mundo da vida tomado globalmente, a esfera pública se reproduz através do agir comunicativo, implicando apenas o domínio de uma linguagem natural; ela está em sintonia com a compreensibilidade geral da prática comunicativa cotidiana.” (HABERMAS, 2003: 92).


Considerando a imprensa, a mídia, o termômetro e cajado social, é relevante ver à luz da escola de Frankfurt, a maneira que a comunicação interfere e modula a política social. Trata-se de um olhar que vai além da teoria do agendamento (Agenda Setting) mas que consegue observar os discursos serem embalados em uma narrativa que transforma um interesse segmentado (ou até mesmo individual) em patrimônio cultural da massa, interferindo assim nos padrões de comportamento social. A mídia alimenta o que condena para manter-se no fiel da balança de interesses. Com o avanço das plataformas, o ciberespaço e a inteligência coletiva (conforme concebe Levy) tornou-se palco do fazer político, empoderando a comunicação. A organização política ganha assim novas nuances de articulação com as novas plataformas e linguagens de comunicação. A interação social então é contaminada pelo repertório de cada indivíduo, mas elementarmente pelo que considera coletivo, público ou privado; seja o espaço, seja o discurso.


Então emerge, na Era da Informação, a dicotomia entre Opinião Pública e Opinião tornada pública (Publicada). A autonomia da população e sua pública opinião é questionável, uma vez que é orquestrada pela mídia. É possível verificar então um processo de teatralização dos discursos. A opinião pública não existe para Bordieu, pelo menos não como concebem e defendem os meios de comunicação e pesquisa.

Uma das dimensões muito importantes da teatralização é a teatralização do interesse pelo interesse geral; é a teatralização da convicção do interesse pelo universal, do desinteresse do homem político – teatralização da fé no padre, da convição do homem político, de sua confiança naquilo que faz. Se a teatralização da convicção faz parte das condições tácitas do exercício da profissão de clérigo – se um professor de filosofia deve parecer acreditar na filosofia -, é porque é a homenagem fundamental do personagem oficial para com a autoridade; é aquilo que precisa conceder à autoridade para ser uma autoridade, para ser um verdadeiro personagem oficial. O desinteresse não é uma virtude secundária: é a virtude política de todos os mandatários. As escapadelas dos padres, os escândalos políticos são o colapso dessa espécie de fé política na qual todos estão de má-fé, a fé sendo uma espécie de má-fé coletiva, no sentido sartriano: um jogo no qual todos mentem a si mesmos e aos outros, sabendo que os outros também mentem a si mesmos. (Bourdieu 2012)

"Um homem oficial é um ventríloquo que fala em nome do Estado" (BOURDIEU 2012). A comunicação política  deveria atuar como instrumento de esclarecimento e embasamento para a opinião pública escolher os rumos da sociedade. Além de instrumento de argumento para tomada de decisão, a comunicação deveria ser um mediador do diálogo transparente da gestão pública e atuação política com a sociedade. Entretanto, ela funciona como um cabresto de influência com uma narrativa viciada em prol de um personagem e não do público, revelando deste modo um dos riscos de personalizar a política.


A mídia (meio) exerce então poder de controle e não de mediação na sociedade e a política (tudo referente a cidade, civilização e público) cada vez mais se restringe a artimanhas concernentes aos interesses de alguns personagens detentores de poder;poder esse concedido pela massa que o condena. E esse quadro não muda apenas com as recorrentes manifestações e rompimentos cíclicos na história da humanidade, pois eles caracterizam enas a transição de paradigmas como defende Kuhn e sua revolução científica. A mudança almejada no modelamento político da sociedade depende de um processo de “desaprendizado” como defendia Manoel de Barros em seus livros. Buscai as pré-coisas e vislumbrem um novo horizonte debaixo dos pés. Caso contrário, permaneceremos na dança dos títeres. Alternando apenas funcionalidades e paradigmas.

BOURDIEU, Pierre. Fonte: Le Monde Diplomatique – Il manifesto, via micromega Janeiro de 2012 / Tradução: Mario S. Mieli


GEERTZ, Clifford: A interpretação das culturas, Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1989.


HABERMAS, J. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,1984.

Publicado também em minha página no Obvious - http://obviousmag.org/rumos

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

sutil




O pássaro. Uma família, Trochilidae. Várias espécies; várias flores. Lábios a serem beijados como versos a serem traçados. O segredo do beijo, o segredo do voo, o mistério do olhar. Ele encanta pelo que é, pelo que faz e me faz. O amor em letras é carne dos versos desse dorso, corpo poesia.

O peso. O dia que não se explica, mas embarga o choro. O pensamento; o gesto que a palavra não suporta, não carrega e nem traduz. Sutil, ele segue seu voo.


segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

climáticas mudanças


Alternância conceitual, sensações dançam em um frenético ritmo, o do silêncio. A mudança. Felicidade. Busca. A inquietação alimenta estigmas da humanidade que pulsam na iminência de encontrar a peça que lhe falta no quebra-cabeça. Uns vivem ignorando este fato, e se atêm às praticidades da vida (seja por necessidade - princípio básico de foco na sobrevivência - ou por simples alienação pelo conforto de apenas fluir), outros enlouquecem a percebê-lo. E sempre há os que transitam pela cidade das sombras sabendo a verdade de Shell Beach, mas ainda querendo refrescar-se nela.

Calmas águas levam sentimentos para o mar. Terra, peixes, madeira e algumas estrofes despedaçadas. Ele não sabia que parte dele também ia naquele rio. Parte que ele nem sabia que dele um dia já foi.

Sorrisos trincados rompem o horizonte. A sala se enche de uma expectativa morta, de uma sensação estranha de esmagamento, a partir de dentro. Os olhos indicam um coração espremido. Prestes a transbordar, o olhar toma as rédeas dos pensamentos e alça voo.

Sutil como um raio rompe o céu. Algumas situações fazem estrago pela sutileza que carregam. O estrondo posterior apenas é lamúria fúnebre de uma emoção sepultada, de um agonizante sentimento que outrora pujante exalava beleza.

De todo o papel gasto, que palavras faltam? Quais sobram? O amor posto à prova, perpassa chuva, sol e desconstruções. Se morre, era mesmo ele amor? ou ensaio? se vivo, permanece o que há de ser? "O amor, quando nasce, só vê a vida, o amor que dura vê a eternidade". Victor Hugo in 'Carta a Juliette Drouet'

Climáticas, mudanças despontam no horizonte. Brilha.


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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Conteúdo Social - as narrativas pulsam


Uma matriz de conceitos rege organizações e até mesmo confunde gestores em uma promessa de êxito de fluxos complexos em busca de transparência, que aparentemente deveria ser o resultado de processo simples. Matriz de risco, sustentabilidade, responsabilidade social, engajamento profissional, territorialidade, compliance, stakeholders, brandend content e tantos outros.

Richard Edelman, referência em Relações Públicas, com graduação e MBA em Harvard, afirma que “Ganhar dinheiro apenas já não é o suficiente; é preciso também melhorar ativamente a sociedade. As organizações têm a obrigação de demonstrar altos padrões éticos e provar continuamente que não estão interligadas de forma indecorosa com líderes do governo”.

Percebe-se que os padrões éticos de uma corporação devem estar refletidos em suas narrativas não de forma engessada, mas de forma que os empregados da empresa absorvam e reproduzam o discurso da empresa se apropriando dele como seu. Brandend Content e as novas nuances midiáticas interferindo ou se adequando ao fluxo social contemporâneo. O modo como as pessoas se relacionam com a comunicação, na geração e absorção da informação e criação de sentidos exige novo modelamento. Em um ritmo frenético entre acessar e produzir conteúdo, o usuário não se permite a intervalos, dar pasto a vista em comerciais. Então o conteúdo de marca surge como possibilidade, mas não pode se estabelecer como no filme O Demolidor (1993 - Dir. Marco Brambilla) onde os jingles (em seu formato original) se tornaram produto cultural, suprimindo conteúdos.

Deste modo, o conteúdo passa a ser o novo subproduto das corporações. Uma espécie de venda casada que impulsiona o consumo, a venda e a absorção da mensagem. A partir de narrativas que remetem à raiz e história relevante para o público alvo, os conteúdos devem ser elaborados a partir da transparência, legitimidade, qualidade e irreverência, para que o indivíduo perceba que se trata de um conteúdo de marca, mas que aquela narrativa apresentada o proporciona uma reflexão ou um dado relevante para seu universo particular. Além de um produto, a moral da história. Por meio do conteúdo de marca a empresa espalha sua missão, vende seu produto e busca se integrar à sociedade de forma igualitária.

O conteúdo de marca amplifica as ideias além dos produtos. Essa narrativa trabalha sobre as premissas Desejo, Necessidade, Vontade; como no final da música dos Titãs “Comida” (1987 - composição de Arnaldo Antunes/Sérgio Brito/Marcelo Fromer).

O marketing então nesse cenário, assim como o jornalismo, se coloca no lugar das pessoas como uma delas, de forma verdadeira, fazendo a diferença na vida das pessoas a partir dessa ambientação. As narrativas são ambientadas, regionalizadas sem perder o link com o macro universo da sociedade. Semelhante foi feito no cinema com o livro de Ismail Kadaré que fala do Kanun, um código de lei de origem patriarcal que prega um loop eterno de vinganças e foi adaptada em Abril Despedaçado (2001 – Dir. Walter Salles) regionalizando a questão que aqui também se encontra. Essa dinâmica, quando aplicada por corporações, alavanca aceitação de conceitos, interfere em comportamentos sociais, dentre eles o consumo, favorecendo venda de determinados produtos.

O jornalismo assim permeia vertentes que podem representar uma nova ordem na organização da profissão e interferência na sociedade. O jornalismo também como instrumento para elaboração de um correto conteúdo de marca, que não se aprisiona na publicidade de convencer, mas no conteúdo de promover reflexão, interferência e poder de escolha; conviver. As narrativas pulsam, perpassam plataformas e linguagens e padrões sociais. Percebem a pessoa como indivíduo e sujeito social. Instigam e acalentam.

Pode-se afirmar então que essa narrativa conduz a interpretação do público, educando-o para relacionar o conteúdo não apenas a uma marca, mas a um padrão social que transcende paradigmas e valoriza ainda a cultura.

Para viabilizar o acesso frenético da geração contemporânea o streaming estabelece um novo modelo de consumo de dados. Milhões se entregam a este serviço como única ferramenta (Netflix 80 milhões de assinantes, Spotify 40 milhões, Apple Music 17 milhões). O streaming é o poder do instante. Vale mais o agora, o “enquanto eu acesso” do que o download. A apropriação do conteúdo muda. Não é preciso ter o arquivo, a informação, o produto, mas poder acessá-lo quando e como quiser. Assim percebe-se como se alastra o perfil colaborativo de mídia, criação e gestão de dados, e também de espaços (ex: escritórios Co-working).

O Youtube está para o mundo o que a Rede Globo foi para o Brasil durante décadas. Janela da realidade. No entanto, a grade livre do youtube é um ciclo que oscila, revoluciona e permite que cada um produza e consuma o que quiser, como quiser de onde estiver. Aparelhos filmam com qualidade, publicam e distribuem dados com rapidez. A produção barata impulsiona lucros.  Todavia, uma nova configuração de cobrança aponta nuances de um mercado jovem (internet) que reorganizou o modo de fazer negócios, de fazer política, de comunicar, de ser sociedade.


Narrativas palpáveis que entregam sentidos e promovam envolvimento. Assim, seja por streaming ou por conteúdo de marca, a comunicação segue atualizando formatos, plataformas e linguagens, alternando padrões e fluxos em busca de interligar seres humanos e mensagens.

Publicado também em minha página na http://obviousmag.org/rumos/

ao passar


Quando passar por mim, não me deixe seus poemas. Esses versos de quinas afiadas que rasgam o que toca. Quando me tocar, leve mais que meu perfume, deixe mais que seu sabor. Não permita que o suor das minhas ideias mudem seu gosto, outrossim misture-se. Seja.

Quanto tempo leva o tempo ninguém sabe ao certo. Mas o vento que passa deixa mais do que se leva. A leveza de um olhar, a doçura de uma voz, a força de um amor que sobrepõe lógica, regras e rimas.

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Ouço os pássaros ocupando a faixa no ar que lhe pertencem para comunicar. Ocupo meu lugar na rima, com os olhos voltados ao vento que afaga minha face, que sussurra em meu ouvido que algo partira, em todos os sentidos.