segunda-feira, 30 de maio de 2016

Bias tão nossas


 

Tantas são elas, que controlam nosso corpo, delineiam no horizonte o alcance de nossos braços, o ritmo dos passos e a ousadia dos olhares. Fazem morada no indivíduo a ponto de se confundir com a identidade de quem as possui, ou por elas são possuídos. Entrelaçados a elas buscamos aprimorar o reflexo do espelho sem nos ferir gravemente com os cacos. Bias, tão nossas. Bias nada fofas que dão medo "Medo que dá medo do medo que dá".

As ruas e noticiários têm sido pautados pelas nossas fobias. Lampejos de virtudes, de harmonização social até incitam certo frescor no olhar, mas, no entanto, nossas fobias nos pautam. Seria bom se fosse para refletirmos sobre como vivenciar e transpor as intempéries das fobias; mas o que vemos é o registro das consequências de medos maturados em seres despreparados. Pessoas queimadas, corpos mutilados, redes sociais congestionadas, diálogos violentados, matriz energética estagnada, ciclistas, motociclistas, pedestres e motoristas em vias de guerra, guerra urbana, umbigos gritam em palanques, cidadania encarcerada, relacionamentos dilacerados por um utópico e cruel bem comum, que não vem.

Percebemos a fobia como a expressiva materialização da angústia de um medo; vemos o empoderamento de uma castração psicológica que porventura pode estar em segundo plano na mente do indivíduo, mas que é base para as atitudes quase que automáticas; com consequências que transformam não apenas a identidade e caráter de seu possuidor, mas que reverberam no ambiente e em seu respectivo equilíbrio.

As atitudes provindas delas são recorrentemente um instinto de autopreservação que muitas vezes gera agressão ao próximo. Esse medo de que sua identidade e seus valores percam espaço na organização social, de forma a ter supostamente corrompidas suas virtudes, diminuídas suas articulações políticas e sociais, faz com que o indivíduo rejeite a diferença, obstrua o caminho da diversidade, e levante o estandarte de uma moderna inquisição, onde a intolerância grita e pune contra o outro, contra o plural. Mas a existência do diferente não pressupõe que seja soterrado ou exterminado o outro, na verdade se trata de uma flexibilização de perspectivas. Há espaço e tempo para todos.

"Tienen miedo del amor y no saber amar / Tienen miedo de la sombra y miedo de la luz / Tienen miedo de pedir y miedo de callar / Miedo que da miedo del miedo que da (Miedo - Lenine - composição: Pedro Guerra/Lenine/Robney Assis)"

Dalgalarrondo (2006 - apud Mira y López 1964) apresenta o medo como uma alteração dos aspectos emocionais que desencadeia em escalas até a sua inativação, tomando determinada proporção até que o indivíduo alcance estabilidade. Essa leitura concebe seis fases de acordo com a intensidade e abrangência: 1. Prudência; 2. Cautela; 3. Alarme; 4. Ansiedade; 5. Pânico (medo intenso); 6. Terror (medo intensíssimo). Sendo assim, as fobias podem ser encaradas como medos exorbitantes, descomunais, desproporcionais, atrofiadores. O contato com o objeto de fobia estabelece crise, com profunda inquietação e ansiedade por parte de quem possui a fobia. Neste instante de pânico não há lugar para a razão e sobriedade, mas apenas o raciocínio lógico de se livrar do objeto da fobia, seja impondo distância, fugindo, ou agredindo, tentando extirpar da existência. Neste sentido, é possível estabelecer uma relação preliminar: Fobia – Julgamento (da situação) – Punição (do objeto que causa fobia). Essa punição é materializada na intolerância.

A matéria de capa da Revista Puc Minas (Intolerância – Profunda reflexão sobre atitudes hostis e desrespeitosas que têm marcado o mundo contemporâneo. Ed 13 – 2016) apresenta de maneira contundente como “nossas bias” têm interferido na sociedade por meio de uma intolerância enraizada, que abrange aspectos religiosos, políticos, sexuais e raciais. Intolerância essa verificada em gestos, em vocabulários, conceitos visuais, e ordenamento social, estabelecendo-se como fator cultural. No contra-fluxo das atrocidades humanas está o processo de renúncia e denúncia. Denúncia por meio de multiplataformas (oficiais ou não) e renúncia (por meio de movimentos de contracultura) a um padrão de comportamento que só nos distancia do famigerado mundo melhor.

O que seu medo te impulsiona? No que ele te castra? Como ele torneia sua personalidade? Medo ou fobia de insetos, de situações, de ambientes, de sensações, de cheiros, materiais, de sons e até mesmo de sabores. Uma breve pesquisa na internet e você encontra listas de fobias (cada um que até impressiona existir). Contudo, assustador é observar e presenciar como os desdobramentos do medo da diferença, o medo de não controlar e sim ser parte integrante de um grupo social, traçam a realidade. Desdobramentos que podemos resumir em fobia de pessoas. Homofobia, Heterofobia, Transfobia, Politicofobia e polifobias possíveis. Bias traiçoeiras, desde o modo como se instalam na sociedade, até a estratégia de disseminação e ideais para contaminação de novos adeptos. Que as fobias recorrentemente trabalhadas no agenda setting possam nos provocar a uma efetiva melhoria, a partir de pensamentos consonantes para aceitação do plural, contribuindo para uma evolução continuada do modo de perceber a vida e se integrar à paisagem, relacionando uns com os outros sem se perder em utopias, mais ainda assim permitindo sonhos que libertem-nos das bias e elas de nós.

 
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segunda-feira, 23 de maio de 2016

Entrelaços

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Entre os homens lealdade é uma moeda de troca; simpatia é o forro da mesa onde esperanças são estraçalhadas. O mercado de trabalho é voraz. Desassossego. As mentiras despencam silenciosamente, apenas com um suave assovio. Resíduos no chão tornam o caminhar cuidadoso, para não tropeçar, para não perfurar os pés. O impacto assola a alma, entretanto, mantém esteticamente sadias as relações humanas. That’s life Blue Eyes; again. O Ego rege os homens com o chicote da competição, as esporas da vaidade, o chapéu do sucesso (levado pelo vento forte).
 
Entremeio a variedade de discursos, interpretações de ideias e relatos de acontecimentos, sempre existem aqueles que fazem jus à finalidade de sua produção. Encontrá-los é um desafio cada vez maior. Relatos. O umbigo fala. Todos. Corrompemos o bom silêncio. Tornamos ébrias as palavras. O clichê é verdadeiro. Os questionamentos movimentam a sociedade, aperfeiçoa. Questionar é inquietar-se, manter acesa a chama. Todavia, qual o combustível? Há fogo em sarça que não se consome. Eterno.
 
Entre tremores, temores e reflexões. Rosas e algodão. A espinha dorsal permeia algo. Ser tocado pela leveza dos significados, significantes e coisas. Independente das pessoas e das lagartas. O som do bater de asas de borboletas cravadas na pele. Embora muitas vezes “a razão” seja um pingente utilizado ao pescoço e visualizado por nós pelo espelho, hoje um salto de roupa na piscina é o suspiro da sanidade. “A Roseira já deu rosa, e a rosa que ganhei...”.
 
Sabes o homem o que ele deseja. Entretanto vive ele com o que escolheu ou com o que aceitou? Com sentimentos que ultrapassam o tempo, duração e lógica persisto por não saber ser outro senão este que se alimenta do que é. Sensibilidade e certa ingenuidade, outrora crueldade. Apenas mais um tijolo no muro, ou na fundação de uma ponte.
 
Impressiona como a constatação de um instante nos faz compreender os ciclos. A alternância do compasso de cada um em seus ciclos (amorosos, profissionais, existenciais) é o que desenha a paisagem contemporânea de desejos, relações, encontros e colisões. Todos estamos inseridos em ciclos. Seja enquanto ser social, integrado a um sistema de relacionamento coletivo ou enquanto indivíduo, em seu aspecto peculiar e introspectivo. Buscar compreender o compasso de nossos ciclos e as possibilidades de movimentos e harmonização pode apurar melhor o nosso vivenciar. A maneira como atingimos o apogeu (em um ciclo) de um sentimento, de um sonho, de uma esperança, determina como serão dilacerados os olhares de quem ama (não de quem é amado).
 
Fustigado por ter de aceitar uma lógica que me deixa com partes sobrando, sem encaixe, percebo-me mutilado e não lapidado.  Pode-se perceber parte da sensibilidade se ressecar,  formando uma crosta de palavras das quais desconheço o significado e os efeitos, apenas as sensações e sentimentos que lanço sobre elas. Essa nova camada torna-se a base dos argumentos do ser que se integra à sociedade dos choques de ombros e fluxos de mensagens. Contudo o indivíduo permanece indivisível.
 
Entrelaçado, o poema se expande, se integra e se confunde com os passos pela realidade, ameniza os percalços de um entorno de leitura fria, de corações de batimentos rasos, e lábios de algozes apáticos. Resignado em um silêncio que não grita, mas sobretudo canta, o ser contínua vivo, pujante dentro de um instante que é perene.
 
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sexta-feira, 13 de maio de 2016

rsrsrsrsrsrss


Desde a primeira vista, algo aconteceu .... será que entendi errado?

Visualiza e ignora. Olha altivo e ignora. Quando sua risada desce como ácido sobre mim, não reconheço seu rosto; não sei quem vive em meu reflexo. Mesmo tendo firme as volúveis convicções, sou soterrado por palavras que nem ao menos fazem algum sentido. São estruturas ocas de um suspiro transviado. Exposto, parece que entendi errado. Será? Intenso, implodi no silêncio o gesto. O controverso sabor amargo me encanta, fascina e me atordoa. O dissabor de uma constatação, o golpe de uma frase encaixada onde não deveria estar. Arestas que arranham os sonhos deixando-os fustigados, sangrando esperança em um dia tão lindo, em que as cores parecem cantar a quem por elas passa. O tempo passa; ao passo do tempo as perspectivas se alternam. Mãos dadas no horizonte a envelhecer. Dadas mãos juntas a aquecer mais do que lembranças.

A fria tela de um celular, tv ou tablet não se compara ao frescor da madrugada que recebe meus sonhos... o toque suave do lençol sobre seu corpo tampouco se assemelha à textura do encontro de nossos poros entremeio ao toque do lençol sob nossos corpos. Sonho intenso que além de perfume traz as flores, pétalas, espinhos e continuidade, na cumplicidade de sentir renovar o sentimento que nos alimenta o olhar. A respiração que busca ar em seu ritmo de querer mais. os cabelos, as curvas, os encaixes e suspiros.O seu contorcer, o tremor que percorre suas planícies, planaltos e vales... ser lida como merece, sempre e não apenas em um instante. Toda vez que leio seus rsrsrsrs imagino o canto de sua boca receber um doce sorriso faceiro. Daqueles que escondem mais do que revelam. Daqueles que revelam sentimentos e sensações, seus pensamentos mais íntimos, particulares. Aquele faceiro sorriso que manda na brisa sua impressão de um mundo inteiro. Traduções que penso nunca obter, essas dos seus sorrisos de canto de boca, a me encantar além da rima, a delinear um divino sentimento.

Sentado ao seu lado, podia desfrutar da pele viva e linda, do olhar de entrega, da doce voz, das frases bem elaboradas, dos argumentos interessantes, dos anseios e olhares sobre a vida, do sorriso que me castiga ao dominar minhas reações. Percebo-me de volta aos primórdios, à primeira infância, na fase oral, com vontade de morder, de gravar-me em você. Vontade de sentir suas unhas cravarem em minhas costas o elixir da humanidade. Esse sentimento quase antropofágico representa a entrega, desejo, paixão, manifestada em um gesto primário de se integrar ao desejado. Esse integrar-se inspira o amor que poucos experimentam.

“Se ‘você é tão café’ é um elogio; ‘você é tão cappuccino’ chega a ser indecente. Imagina com chantilly e raspas de chocolate meio amargo” E Deus rege o tempo,  nos tempera, nos prepara, nos ensina.

Imagina uma pêra. Madura, suculenta. Lábios se aproximam, respiração muda, boca entreaberta revela os dentes, o prenúncio de uma mordida. Dentes a cravar na pêra que sucumbe seu delicioso caldo entre os lábios que a devoram com intensidade, com entrega. A respiração levemente quente entre teus vales, a boca que flerta com o oásis que sem saber já pressente que está prestes a jorrar, e o corpo treme. Novas fronteiras.

As mãos entrelaçadas são muito mais do que química, vai além do presente; tem se firmado ao longo do tempo como algo que amadurece, se faz perene, com morada no sempre.

O nobre metal que vence as provações, reluz e simboliza o sentimento que não fica para trás, mas continua, cresce.  Afora toda demagogia, reles poesia e declarações superficiais, ele sobrevive. Mesmo que não se materialize como a sociedade está acostumada, ou concebe moralmente.  "Pássaros criados numa gaiola acreditam que voar é uma doença” Alejandro Jodorowsky. Como disse um anjo: "ou não sabem ou tem medo de tentar".

Dentro de um carro, outra dimensão se faz possível; uma onde não é necessário explicar o que se sente e dar satisfação ao outros lacrando-se em infelicidade. Anos atrás... Dentro de um carro minha perna toca a sua, meu olhar encontra o seu, seus lábios entreabertos parecem balbuciar algo, a chama interior, ou o beijo. Eu pergunto o que foi, você responde “NADA” e aquele nada adormeceu até que o tempo nos levasse novamente àquela dimensão. Dentro do carro, minha mão tocou a sua. Despertou algo que não se acabou com o tempo, mas se aprimorou. Cresceu! O tempo que levará os passos para alcançar os sonhos difíceis não sei, mas me entrego a eles, reconhecendo-me como alguém que não sabe o futuro, mas é intenso ao viver, sentir e sonhar.

Suas mensagens, suas fotos. Guardo como recomenda Antônio Cícero (não escondendo, mas olhando e admirando). Todavia, os seus rsrsrs me perseguem nas madrugadas, nas manhãs e tardes onde meu silêncio contemplativo da natureza rompe-se com meu sorriso de canto de boca ao lembrar do seu.... rsrssrsrsrs

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quarta-feira, 11 de maio de 2016

Fantástica fábrica de ilusões



Os aspectos que nos fazem humanos, orgulhosos do que vemos no reflexo do espelho d´água, hora ou outra se contrastam com nuances de nossa vergonha, peculiaridades de uma personalidade que buscamos aprimorar.

O referido aprimoramento nem sempre tem o mesmo ritmo e intensidade que poderia provocar uma efetiva mudança, no entanto já se estabelece como um suspiro da esperança. Suspiro que reverbera e ganha força em narrativas que perpassam gerações.

Assistir, re-assistir e assistir outra vez a Fantástica Fábrica de Chocolate (1970 e 2005) deixa um sabor de quero mais na boca, aquela pequena e intensa fisgadinha no final da língua, onde fica o sabor do "quero mais". Desperta o desejo de revisitar nossos valores, os personagens que assumimos no convívio social e nossa relação com o prazer.

Em 1970, a narrativa mostrava o valor referencial da família como base para buscar melhores condições de vida, em contraplano com o egoísmo e dissimulação presente no ser humano. A história corre sem explicar muito sobre passado e futuro, sem dar detalhes da origem familiar de Wonka e sem especificar demais as mazelas vividas pela família de Charlie, tampouco os desdobramentos após ganhar o prêmio. Durante o filme, a honestidade de Charlie e dos outros é testada não apenas para conseguir um produto secreto, mas especificamente atacando as fraquezas e prazeres individuais.

Em 2005, percebe-se foco maior sobre história e valor da família tendo que especificar origem e futuro, estabelecendo e resgatando referenciais morais, abordando temas como redenção entre pai e filho, fortalecimento de elos verdadeiros  de amizade, de contato humano, de resgate da essência, mostrando inclusive os desdobramentos após Charlie vencer. Na trajetória, o contraplano à ambição dos personagens pela posse desenfreada, pelo transpor limites estabelecendo as próprias regras (pautadas na arrogância egocêntrica).

Após subir os créditos, além das canções das duas versões, ressoa um pensamento sobre como podemos nos encontrar entremeio ao turbilhão de informações, demandas, sonhos e realidade da contemporaneidade. Como aperfeiçoar o ser humano que somos a ponto de contribuir para as relações sociais e principalmente com aquela sensação de satisfação que tanto buscamos antes da última piscada do dia.

A cada mordida em um chocolate (impossível não comer após ver e pensar no filme) a língua se envolve com um sabor que não se adequa a palavra alguma, assim como o ser humano em sua totalidade não se adequa a nenhum rótulo ou regra. A transitoriedade da personalidade humana sobre o tempo e contexto social revela a esperança de que algo não necessariamente novo possa ser efetivo instrumento de evolução, de mudança. Talvez seja a premissa para perenidade de sonhos e vidas, outrora pode se tornar argumento de ilusões que mantém funcionando os pulmões.



Sobre:
Willy Wonka and the Chocolate Factory (pt-br: A fantástica fábrica de chocolate / pt: A maravilhosa história de Charlie) é um filme musical dirigido por Mel Stuart e lançado em 1971, estrelando Gene Wilder no papel de Willy Wonka. A história é baseada no livro infantil Charlie and the Chocolate Factory de Roald Dahl (autor também de Matilda), publicado em 1964, contando a história de como Charlie Bucket encontra um "Bilhete Dourado" e visita a Fábrica de Chocolates Wonka com outras quatro crianças. Em julho de 2005 estreou a versão de Tim Burton, com Johnny Depp no papel de Willy.


Publicado também em: http://obviousmag.org/rumos/