sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Individuus


 

 
A organização social contemporânea impele ao indivíduo um comportamento de egocentrismo. Para coexistir o ator social com esse perfil precisa de público e referência, para então impor suas singularidades, legitimando-as como objeto de consenso ou bem-estar social. Importante considerar a etimologia; do latim medieval individuus (indivisível), que é formado de in + dividuus. O vocábulo dividuus vem de dividere (dividir). O processo de formação de indivíduos compreende interferências da sociedade, ou seja, depende das relações sociais e culturais (variando o grau de intensidade), formando assim a identidade do ator social.

A construção da realidade social passa pelo interesse. Interesse constituído pelas vontades, necessidades individuais, e pelo consenso coletivo subsequente. O sujeito está cada vez mais centralizado como ator social individualizado, interferindo na Rede Social para apenas atender seus objetivos, isso até mesmo quando demonstra nuances de altruísmo. Este aspecto fica latente quando consideramos a leitura que Adorno faz do indivíduo em sociedade, enquanto sujeito, onde por mais que submete-se a fluxos impostos por uma liderança social, ele executa suas escolhas tendo como motivado os próprios interesses, as respectivas singularidades.

A cultura de massa impõe um padrão cultural e um modus operandi da sociedade concebida como um corpo, mas não consegue controlar totalmente os membros deste corpo, sendo os indivíduos os referidos membros. Fato que aponta uma fragilidade e uma força em toda organização social: um membro pode atrofiar o corpo social e corromper a ordem imposta, mas para ser eficaz ele precisa de aliados, formando assim um novo grupo, que precisará de regras gerais consensuais, estabelecendo então um paradoxo, onde para atingir interesse de suas singularidades, o ator social precisa tornar coletivo algo que é individual. O epicentro do conflito neste caso não é o interesse, tampouco o individualismo, mas o controle. O que antes era exercido pela força física, agora materializa-se nas entrelinhas de narrativas midiáticas e na ressignificação dos padrões.

Cada sociedade/grupo social possui seus padrões de saciedade e felicidade. O que outrora foi medido pela saúde, dentes, capacidade física, passou a ser por meio da posse de bens materiais ou mecanismos de poder (Mercado / Autoridade / Mídia / etc.). Assim, a construção da realidade social ultrapassa os aspectos da singularidade do sujeito, pois está ligada à interação dessas singularidades com a paisagem formada por oportunidades e demandas.

A globalização estimulou a integração de padrões territoriais de modo a possibilitar o diálogo de “tribos”, de suas demandas, anseios e oportunidades de saciá-las além fronteiras; considerando demandas e anseios nos aspectos culturais, econômicos, intelectuais, de subsistência e desenvolvimento.

Neste ínterim, a arte e suas diversas concepções, tornou-se instrumento essencial de manutenção dos padrões sociais; tanto para reafirmar quanto para romper paradigmas e sobrepor dogmas. Desta forma, a noção de identidade de um ator social depende de suas singularidades enquanto indivíduo e de sua interação na paisagem social, perpassando pelas influências em “si” dos produtos culturais que consome, acessa ou até mesmo reproduz. Isto pode ser observado nas dinâmicas de apropriação e ocupação territorial e interações consequentes, definindo regras e limites, espaço público e privado. Portanto, percebe-se cada vez mais que identidades culturais volúveis e segmentadas tomam lugar de destaque social ante as identidades culturais tradicionais, fato que evoca mudança na maneira de transmitir a história a gerações futuras.

Faz-se então relevante analisar o “Agenda-Setting” e suas reverberações na organização social, pois assim renovam-se identidades culturais volúveis e respectivos relacionamentos descartáveis. Teoria formulada por Maxwell McCombs e Donald Shaw, o Agenda-setting consiste na hipótese de que a opinião pública considera mais importante em seus assuntos diários os temas que são veiculados com maior destaque na imprensa; sendo que as notícias veiculadas e o foco das narrativas são determinados conforme singularidades de quem detém o controle dos veículos de comunicação ou até mesmo a setores de uma sociedade.

Indivíduos ditos pós-modernos apresentam-se em constante movimento em busca da identidade própria, seguindo tendências, outros repetem a receita dos padrões culturais vigentes e há ainda os de vanguarda, que se constituem solidamente, sendo ainda flexíveis evolutivamente e não volúveis apenas pela efervescência da mudança.
 

encantamento


O túmulo dos vagalumes é o olhar que por último os viu. Vemos sem perceber, nos esbarramos sem ao menos sentir completamente o que fica daquilo que passa, e o que foi levado do que sempre esteve aqui. Beija-flor persiste mesmo durante a chuva de mais um dia tão incerto. O coração flutua na chuva, ele chove com ela. Os traços de dias chuvosos registram a mudança do nosso caráter frente aos sentimentos. 

A poluição da paisagem, imposta pelos padrões de desenvolvimento, de felicidade, de sucesso, espantam os vagalumes da noite, empurram beija-flores para voos em dias chuvosos. Dias em que as notícias chamam mais atenção que as flores, balançam mais que os fios à brisa que marca a intermitência da chuva.

O encantamento é berço de um renascimento. Quem encanta tem assim não uma responsabilidade maior, mas uma especial virtude, de renovar algo na paisagem.

água na boca

Várias faces de uma mesma narrativa. Escorre no rosto uma gota. Água nos olhos, água na boca.


Imagine um corpo na água. Um animal na praia. no mar. Tentando se manter à superfície. A água bate em seu rosto, cansa suas pernas, ofusca sua visão, salga sua boca, resseca por dentro. O visual é lindo, o frescor é maravilhoso sob um sol intenso. Mas o corpo não consegue flutuar. Cada vez que afunda, volta desesperadamente para buscar um pouco mais de ar, pois tinha que respirar.

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Essas gotas que escorrem pela parede do banheiro durante um banho. Gotas que se dissipam em vapor. Gotas que errantes se juntam a outras e tornam-se mais rápidas, maiores, fortes, descem rapidamente rumo ao chão. Gotas estacionárias, que pontuam a parede com um novo brilho, com fragmentos do reflexo de um corpo que cala, resvala no abismo dos sentimentos. São ombros nas ruas, são pessoas em sociedade, fragmentos de sonhos em choque com expectativas.

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Sempre que chove  acredito que acontecem algumas mudanças, como em Shell Beach; físicas e metafísicas. Contudo, coisas mudam todo o tempo. Hoje choveu dentro, fora. Sentir a chuva é mais do que se molhar. Nas intermitências das nuvens, o choro também é chuva. O sol tocou suas pétalas com uma delicadeza que eu não havia percebido antes. O brilho na gota isolada na folha, na pétala, nua. Essa paisagem me tocou, me integrou a ela pelo olhar. Um olhar puro, uma paz que refrigera, revigora, revela a mim, mais uma vez, minha pequenez.

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Penso em despetalar teus lábios, arrancar teus suspiros e inundar meus sonhos de realidade e renovo. Essa sensação de arrepio que faz seu corpo contorcer sou eu a percorrer você, dos seus montes aos seus vales, fazendo florir seus lírios e jorrar sua fonte enquanto seu corpo contorce de forma quase contida, como quem descobre uma nova dimensão, tenta se controlar, mas sucumbe a uma energia que transcende sua lógica. Salivo a esperança de nos misturamos mais a cada dia.

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Felinos




Cultivava a diferença. Era o que sentia em suas veias. Era o que fluía em seus gestos. Não conseguia deixar de contaminar as pessoas com a leveza de olhar a vida. Eram rosas diferentes. Eram sabores diferentes. Eram pessoas exóticas pela peculiaridade de serem únicas. Ele não conseguia ser impessoal. Envolvia-se por completo, com intensidade, muitas vezes sem a devida sanidade, mas a pujança de um sentimento sem amarras, sem lógica, sem falsidades. Assim ele conseguia as marcas, pintura rupestre na derme, o tempo que passa revelando momentos de gozo e de dor.

O ritmo da caminhada. Impossível definir se é o prenúncio da fuga, da caça, ou de uma jornada compartilhada. O que há no olhar dos felinos? Hipnotizantes, sóbrios, poderiam eles nos falar sobre as consequências da vida? Explicar os desdobramentos das escolhas? O olhar de um cão compartilha do mesmo espaço tempo, troca emoções e percepções do presente, o dos felinos parecem vir de um tempo onde sabem o que somos, para onde iremos, e o que sentimos. Há felinos de olhos azuis, castanhos, verdes, que brilham, que ferem e afagam. Sempre instigam.

Certo como a luz do sol a passar pela fresta da cortina e se instalar sobre a mesa. O sentimento não era de dúvida. Tocou a mão dela e apertou por uns instantes, de modo intenso, com carinho, com desejo. Ela respondeu ao toque, não importava o significado, tampouco o porvir, valia mais o momento que experimentavam ali. Ela o olhava no escuro, entremeio flashs de postes, com um brilho nos olhos. Ele a olhava com ternura, segurando-se para não unir os poros, os lábios, os destinos.

Os ponteiros e o fatídico "mas" interrompeu aquele encontro, sem selo, sem ponto. Deja vu. Assim como cada qual vivencia diversos desses momentos em particular universo, eles tiveram novamente o seu momento. Complicado. As leis da física não consideram o poder da vontade e a interferência do pensamento. A memória construiu-se então de uma série de momentos que pela sutileza delineiam um sentimento que enobrece o olhar, o suspiro, a libido. O tempo apura este sentimento cada vez mais. Complexo.

Quando o exótico atrai pela diferença, pela inquietude que gera. Como um filme de Almodóvar integra ao nosso olhar um tom de estranhamento aos padrões sociais. Assim, os dias se renovam nesta orgânica festa que gira em torno da estrela.

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sexta-feira, 21 de outubro de 2016

polegares em riste



Geração dos polegares frenéticos. A dor de polegar tem incomodado mais do que a de cotovelo. Pescoços baixos fazem reverência a uma privacidade que brilha intermitentemente nas telinhas às mãos. A ergonomia é o novo desafio da saúde ocupacional, pode-se dizer que em determinados cenários sobrepõe até as famigeradas receitas de uma alimentação saudável. Todavia, esse recorte do comportamento social é a reverberação da mudança do processo de comunicação. As plataformas de produção e consumo de conteúdo, com suas multiplicidades de funções, acessibilidade e formatos, interferiu na postura moral e corporal dos indivíduos. Mudou a postura do corpo e a postura dos indivíduos na sociedade, uma vez que foram empoderados no processo de comunicação, podem postar, compartilhar e até mesmo interferir em pautas e respectivos desdobramentos. A responsabilidade social já não é apenas um jargão corporativo, mas a premissa para interagir socialmente  seja como indivíduo ou como representante de um grupo ou empresa. Aqui não se limita a concepção de responsabilidade social a ações de filantropia, mas de desenvolvimento integrado justo, e responsabilização pelos respectivos atos em sociedade.

Nova Ordem Mundial. Aplicativos a mil. Mensagens trocadas, arquivos que vazam de propósito, ou por incidentes, acordos firmados, registros apagados, rastros polemizados no judiciário, manifestações de bites, amores por código binário, traições por caracteres, transformação social digital, baterias viciadas, pessoas libertas de paradigmas, a rede que se renova e expande imitando o movimento do universo, com colisões, explosões e novos mundos; a beleza orgânica da vida na matriz do tempo.
Roger Bolton (referência em Relações Públicas do setor industrial nos Estados Unidos) disse que a contemporaneidade nos encurralou em uma máxima conhecida desde os tempos de academia: Temos que melhores naquilo que já éramos bons. A geração millennials alastra-se na contemporaneidade (jovens, empreendedores, irreverentes, desvinculados a padrões tradicionais, mas comprometidos com problemas de ordem global, com a efetiva sustentabilidade, de produtos e processos, inclusive de relacionamentos interpessoal e institucional.

Neste sentido, é preciso agir de forma simultânea às mudanças. Fazer a leitura da paisagem, considerar seus recortes e a interdependência e desdobramentos de tais recortes. É compreender como as pessoas se comportam nas Redes Sociais Digitais, nas Redes Sociais Orgânicas (Grupos sociais - escola, religião, lazer, cultura, esporte), a maneira que produzem e consomem mensagens, observar como concebem e percebem os espaços que ocupam, os produtos e etc. Simultaneamente, deve-se entender o respectivo lugar (do comunicador) e função na paisagem e ser volúvel (sem ser leviano)no ambiente, lançando mão de atitudes de vanguarda para interferir e também do mimetismo para aceitação e reconhecimento.

Além de estabelecer um novo modus operandi na comunicação, as novas mídias (se utilizadas de forma equilibrada) expandem as fronteiras da evolução humana e flexibilizam distâncias físicas e intelectuais para estabelecer aquilo que entendemos como um mundo melhor agora.

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sexta-feira, 23 de setembro de 2016

predicado



Por que o porquê? Porque condena-me. Porque condena-me por cometer as mesmas práticas que você. Somos iguais, em posições opostas. Nem paralelas, tampouco intercessões. Somos dois pontos entre muitos. Desafios de sonhos tecidos no ar; pairamos junto às descobertas. Porque amamos sem amarras.

O sopro leva mais que o vento. Quando meu olhar atravessa a janela, não ganha voo, mas despenca, brilha e desaparece. Quando parecia não haver espaço e tempo para um respiro, para reflexão ou refração, eis que surge uma nova dimensão. O tempo continua a passar, mas, inacessível; o indivíduo pode então se encontrar. Vi o sol se pôr. Entre as árvores, em contraste aos sentimentos. Esse momento do dia tem uma luz, um clima, que mergulha a mente em uma reflexão tão peculiar em seus efeitos. Amarelo, laranja, azul, branco.

Se isso é o céu a letra voa,
o coração ressoa
e seu olhar chove em mim.
sem me molhar
eu te sopro

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sexta-feira, 9 de setembro de 2016

entre jardins



O que nos faz caminhar à terceira margem do Rio? Os sentimentos que lapidam nossa identidade ou a atrofia provinda de um cotidiano que soterra o indivíduo com tantos padrões? A música é mais do que um ritmo a movimentar corpos. A música transcende nossos pensamentos, sonhos e flagelos. Ela é capaz de nos libertar, ferir e confortar; compreender e questionar. Em alguns dias, ela pode até mesmo transportar nossa mente para longe de uma realidade exaustivamente sufocante.
Seja a partir das linhas libertadoras de Guimarães Rosa e as diversas possibilidades da terceira margem deste rio chamado realidade, ou no transcorrer de Severed Garden de Morrison, a mente fica inerte enquanto reverbera no corpo um pensamento transformador. O que “si” busca? Seja se encontrar, estar em paz ou até mesmo feliz.

A famigerada felicidade em sua utópica plenitude não deve ser considerada sobre os aspectos dos rótulos sociais presentes nos mecanismos de consolidação de padrões sociais (Escolas, Mídia, religião e famílias). O tão proclamado “conheça-te a ti mesmo” é fator determinante para alcançarmos o que sacia nosso coração e mente.

O processo de autoconhecimento nos possibilita aperfeiçoar a maneira como analisamos as oportunidades diárias, interagimos com o ambiente e rascunhamos o futuro nos gestos do presente. Simultaneamente, nos relacionamos com outras pessoas e interferimos na vida delas na mesma medida em que elas influenciam a nossa. E algumas pessoas são tão especiais, que transformam silenciosamente e permanentemente nossa vida. Independentemente do contato, estão sempre próximas, caminhando entre jardins e margens de nós mesmos.

Nesta noite, ouvir the Doors é se permitir a momentos de introspecção. Não uma apologia a rebeldia, drogas e sexo sem limites, mas uma argumentação a respeito dos paradigmas da sociedade, dentre eles o amor e a percepção da realidade. No compasso do pensamento, o ritmo dos sentimentos intensos. Com letras que vão desde a simples manifestação de um desejo, à possibilidade de refletir a respeito de significado e significante das coisas, as canções da banda evocam experiências interessantes para o imaginário de quem ouve com atenção.

Ouvir “Severed Garden (Adagio)" - canção estruturada a partir de poema gravado por Jim M. em dezembro de 1970, criada como música após a morte dele sobre uma recriação para “Adagio", de Tomaso Albinoni; é entregar-se à introspecção de rever silenciosamente nossas referências, valores e a respectiva relevância de escolhas e atitudes; desde o modo como observamos uma flor, lidamos com riquezas, reconhecimento, até como percebemos os aspectos e incertezas do relacionamento com os outros e até mesmo com a morte.

Neste ínterim, não é raro nos encontrarmos em busca de uma miragem. Seres humanos são fábricas de miragens. Alguns dizem que a busca pela miragem é o que move a sociedade e possibilita sua evolução. O foco na busca contínua, e não no alcançar. Entretanto, esse processo alimenta ferimentos e cicatrizes permitem a leitura em braile de nossas fragilidades; reféns de sonhos in natura. Há quem diga que se materializarmos aspectos da miragem na realidade que se apresenta palpável e perceptível (longe de ser concreta) conseguiremos estruturar um efeito placebo para vivenciar os dias com mais leveza.


Não podemos apenas nos entregar aos padrões vigentes e deixar que eles anulem aquilo que nos faz ser único; nem melhor, nem pior, mas especialmente único. Devemos nos abster da comodidade de catalogar tudo o que acontece como algo rotineiro. O comum é tão perigoso quanto a arrogância dos donos de verdades, ou controladores do processo de divulgação de versões. Alimentamos muitas vezes a característica que mais condenamos. Corpos destroçados, lares profanados, carteiras roubadas, espaço público tratado como a residência do caos, senso coletivo concebido como bacanal social. Na rebeldia não há poesia; há sangue. Alguém sempre verte sangue, nem que seja cortando o dedo com papel. As cenas brilhantes de filmes violentos, onde o espectador torce até mesmo para o inimigo público, não se limitam à sétima arte. Elas sumarizam os jornais, aterrorizam nosso dia a dia. Contraponto. Crianças espontaneamente boas, cordiais; casta superior quando exala humildade. Elas vão além da soberba dos adultos em dominar e impor verdades. A ambição de sorrir. Elas são delicadas flores perfumadas em um jardim; e cada qual tem seu jardim, que une e nos separa uns dos outros.

Textura, movimento, sabor e ternura. As experiências que um jardim evoca no indivíduo vão além de aspectos visuais e conceitos erguidos em versos. Encontramos aconchego não em lugares determinados por padrões sociais, mas essencialmente onde nos toca a alma. Alcançamos e somos alcançados pela paz quando livre de amarras nos envolvemos no suave emaranhado de possibilidades de ser feliz.

Os pensamentos estão postos. Despertar é uma palavra-chave muitas vezes inserida em fechaduras erradas. É preciso foco para persistir; mais do que saliva. O interesse. O fruto que geramos e que somos. As ações que exemplificam nosso caráter. Relacionamento e confiança são mais do que lembranças, ou palavras soltas em uma camiseta. Para alguns é moeda de troca, para outros é fundamento divino.

“Não há amor possível quando se busca a miragem e não a pessoa concreta que se tem diante de si”. (Sérgio Abranches, in 'Que mistério tem Clarice?').

Será?

“I want roses in my garden bower, dig?”

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terça-feira, 16 de agosto de 2016

Sujeito



Há momentos em que não tem como conter o que há em nossas mentes. Narrativas emergem do solo, ambientam as frases em nossas bocas. Um bom companheiro, um bom livro é aquele que te livra das imagens vistas pelos olhos, pela pressão encontrada no ambiente de trabalho, ou familiar. Um livro que é mais do que uma janela, mas um portal para uma dimensão particular de cada leitor. A estante estende seus braços e entrega um exemplar, velho conhecido, de ficções de certo interlúdio.

Subiu o monte de sua infância como quem estava firme. Seus pés afundavam, seus joelhos rangiam, mas ele não parava. Seguia satisfeito pela sensação simples de respirar.

O desfiladeiro deixou de ser poético quando as palavras foram arqueadas como sobrancelhas daquela que se fez algoz de qualquer nobre sentimento. Seria mais simples ter dito o que ela fez e as consequências de seu gesto, de forma clara. Contudo é mais aprazível confeitar as frases com o sabor meio amargo das emoções, salpicadas de realidade. Todo lampejo de amor, toda faísca de sinceridade e pureza pode matar pela dose, pode curar pela intensidade, pode nos fazer transcender pela perenidade desprovida de intenções planejadas, mas embebidas de espontaneidade. Essas letras contorcidas em versos são lágrimas. Caminhamos então à face do abismo. O prenúncio do colapso passeia ao lado de nós dia a dia. Alguns momentos de alívio vêm de vivência em família, filmes, passeios, bebidas e comidas. No entanto, o tempo sempre dobra e essa hora torta sempre aperta o coração do indivíduo contra o reflexo que não se reconhece ao espelho.



“Porque sueño, yo no lo estoy.
Porque sueño, sueño.
Porque me abandono por las noches a mis sueños, antes de que me deje el día.
Porque no amo.
Porque me asusta amar, ya no sueño.
Ya no sueño.
Ya no sueño, ya no sueño. Léolo

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

o antes que se esvai

 
Desde cantares a tudo o que se comporta nos ares apaixonados. Nas rimas, nos olhares, anseios. As histórias de amor admiradas, buscadas, acreditadas e desacreditadas. O Humano deseja a saciedade e pujança que o amor proporciona dentro de si, não apenas no coração, mas em todo o corpo, perfazendo em eletricidade uma sensação de êxtase.

Cada tentativa clama por materializar os mais infantes desejos de se lambuzar na sensação de felicidade e entorpencência do amor.
Formosa, intensa. Rompeu a terra rumo ao sol, desdobrando-se em folhas, caule, rumo ao broto, ao botão, para ser flor. Amantes. Rompem a haste para levar a flor para sua amada. A flor desperta sorrisos espontâneos, espasmos de uma felicidade que até deixa um rubor à face, o perfume da flor se instala como lembrança de versos de amor. Contudo, a flor murcha ao tempo. Tempo. Esse que passa, esse que fica em marcas.

Perpassar “Como eu era Antes de Você (Me Before You, 2015)” o filme ou o livro de Jojo Moyes é se divertir com o clichê da sutileza rompendo pela insistência a rigidez. Assemelha-se à flor que rompe o solo em busca do sol. Após encantar pelo olhar, dissipar-se pelo perfume, lançar-se pelo pólem, ela retorna ao chão, murcha, para o adubar. Água mole pedra dura, olhar singelo coração seco. Todos, mesmo que em silêncio, traçam suas expectativas quanto ao roteiro, vislumbrando um final feliz. A conceituação de felicidade embora ambígua em sua constituição de fatos é simples em seu fundamento de sensação (paz, saciedade, esperança e energia). No entanto, a história nos apresenta às escolhas. Neste cenário, e em tantos outros, para o indivíduo alcançar um determinado altruísmo romântico às vezes é preciso abrir mão de se estar com o ser amado. Ele queria que ela experimentasse uma liberdade que era pujante em seu corpo, seu modo de vestir e de ver a vida. Ele sabia do frescor do vento que vem e passa. Ele queria que ela deixasse de se sacrificar pelos outros, e sem desculpas para se castrar, pudesse voar. Mas para isso ele deveria sair da paisagem, para possibilitar o verdadeiro voo daquele pássaro colorido que sorria para ele todas as manhãs. Então ele não poderia vivenciar. É como apenas vislumbrar a terra prometida. Ao escolher o presente, ele não quis encantá-la pelo luxo, mas surpreendê-la com algo que realmente a tocasse, que não só ela desejava, mas que retratava parte de sua identidade. Ele a presenteou com meias de abelha, ele a presenteou com a liberdade das possibilidades.

Lembra bem o fim de O Predestinado (2014 - dirigido pelos irmãos Michael e Peter Spierig e baseado no conto All You Zombies de Robert A. Heinlein), quando para alcançar seu objetivo (acabar com o Terrorista e a sucessão de seus atos) ele deveria abrir mão de suas convicções e sentar ao lado do ser perseguido (pois matá-lo era se tornar o terrorista). A reflexão é maior que o texto e o transcende (Vale a pena assistir Transcendência - 2014 - com o Johnny Depp). Pois de maneira sutil acena para um pensamento que revê as nuances do amor e fundamentos que modulam nossas escolhas, expectativas e apetite.

O que estamos dispostos a fazer para alcançar os objetivos? Rever a lógica e a base estruturante da nossa identidade? Questionar nossos limites e expandir as fronteiras?

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sexta-feira, 29 de julho de 2016

tato

Lanço-me
leitura em braile
as ranhuras de teus lábios
com a língua.

Delineio teu corpo
com a boca,
aquecer teus vales
fazer florir orquídeas
exalar o perfume dos lírios
entrelaçar palavras
formando frases multifacetadas
de uma mesma narrativa

desenhar uma paisagem leve
sonhos encaixados à realidade
contemplação e tempo
que passa e leva-nos
nus
sós


...

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Beija-flor

 
 
O clichê flor e beija-flor, a rima que atravessa poemas, fábulas e fotografias. Canções e emoções estruturadas no gesto natural de retirar da flor o néctar, deixar nela pouco de si (saliva) e prosseguir em um livre voo de precisão. A harmonia das asas no ritmo dos pensamentos; o tempo que transcorre as dimensões de um observador, de um semelhante, de si mesmo refletido no espelho d'água.
 
Suas aparições quase que sincronizadas. Seus olhares quase coincidências, evidências de uma harmonia que precede nossa percepção, nossa intenção e sentimento. A flor, com a textura de suas pétalas, os contornos de seus órgãos, a intensidade de seu perfume, a composição de seu encanto. O vento mensageiro indica a localização, o beija-flor encontra, reencontra e leva na sua liberdade o que o alimenta; o que o faz ser especialmente único; para ela, para si.

Seu voo tem pausas como as mais belas canções. Seu canto encanta pela sutileza. A presença dele em um jardim traz paz e admiriação. Se borboletas são flores com asas, o beija-flor se faz um poema em movimento, no jardim do secreto imaginário de cada um.

Semelhante a tantos; às vezes sinto falta de um tempo. Um tempo em que a brisa fazia mais efeito do que sentido. Muitos se sentem como Léolo, ou seu irmão. Assim é a vida tal como o tempo; ora imponente, ora sutil. Hora que passa, séculos que se sobrepõem, minutos sorrateiros, segundos que não cabem o sentimento que implode no peito.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Espório


Não percebia o peso das frases lançadas, pois o som no ambiente a fazia sentir o tempo em uma cadência especial. Era como se ela tivesse encontrado um espaço entre as membranas da realidade, onde a sanidade não a podia alcançar, tampouco os devaneios de um coração inquieto. E todo trapo, todo guardanapo com poemas e sorrisos virou uma canção de ninar, que toca intermitentemente durante o dia e na sublime madrugada.

Seus clichês caminhavam silenciosamente pelos becos de cidades históricas, pelas ruas movimentadas de seres impessoais, por trilhas que desaguavam no sossego e por rugas de sua infância. Atordoada pelas peculiaridades do ser humano, ela não se preocupava mais com as perguntas, ou com as respostas. Apenas se concentrava em como as reticências poderiam mudar sua vida. Mudança é algo constante, até mesmo no tédio. Entretanto, mudança não era o que cativava seus suspiros. As repetições das relações e passos humanos. Os ciclos não a perturbavam. Ela estava fascinada pela sutileza das flores; pela textura das pétalas, o contorno, o sabor do aroma e o potencial de encantamento.

Ela estava inerte na realidade. Como se encontrasse um lugar especial entremeio a tudo, interligado, intocável. Em um momento em que buscava nada, nem compreensão, nem paixão, nem dor ou gozo.

Era injusto ela não ter um abraço e um colo para ser recebida. Pior ainda era não se sentir bem no colo e braços que possuía. Ser ingenuamente meiga e espontaneamente cruel era sua credencial do amor.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

ritmo



Sãos os passos, não as pegadas, que carregam um pouco do que somos. À beira do desfiladeiro, as pegadas dizem que irei voar, os passos fazem-me contornar as nuances do abismo, ouvindo o eco, sentindo a brisa insinuar a impossibilidade, tentar me empurrar ao eterno retorno das pegadas; mas não me pertence a volta, nem o voo, pois estou imerso nos rumos, sou refém e algoz dos passos. Meu corpo pulsa meu desejo de sucumbir às mazelas humanas e em ser o melhor de mim para os outros.
É a suavidade do seu olhar; a inocência da sua face semeando em mim as melhores características do ser. Assim nascem meus passos, nas intermitências dos meus pensamentos, das consequências das escolhas e de como as escolhas dos outros.

É a terra entre meus dedos; sinto a textura do chão e a temperatura do solo que não me aceita como semente, que me repele e impulsiona a caminhar. E essa caminhada me liberta e aprisiona aos passos.

quarta-feira, 22 de junho de 2016

caminhos e percalços


Os raios de sol iluminam o rosto em uma manhã fria. O chão recebe passos que instintivamente caminham até a K-pax peculiarmente particular de cada um. Lugar onde pode-se entregar ao aconchego de se resguardar e até mesmo enfrentar as próprias aflições sem interferir no ambiente ao redor, fora de si. Entretanto a interação é inevitável, pois quando um corpo ocupa um espaço, ele o altera, mesmo que sutilmente.

Sensações delineiam as expectativas desde o início do dia. A liberdade de puxar o ar fresco da manhã o faz sentir vivo como um pássaro. O voar não lhe é um fardo, tampouco o gorjear sua sina e o semear uma prisão. As asas que perpassam o vento, dedilham no ar os sonhos mais tênues de um tempo que ainda não foi registrado. Ele beija a flor que o encanta.

Na construção da respectiva trajetória, perpassamos os fluxos dos outros, interferindo mesmo quando passamos por despercebidos. Andarilhos de interligações de um labirinto de fim desconhecido, nos movimentamos. Idas e voltas, transgressões de paredes, descoberta de novos corredores e sempre a mesma ideia de destino. Observando os caminhantes, percebemos o quanto somos, iguais, semelhantes, diferentes, únicos. Seja em um ponto de ônibus, na rua, ou escritório. Todos juntos em um espaço, todavia separados por infinitos. A mente em espaço e tempo diferentes, cada uma com a trilha sonora que lhe apraz. A interação de silêncios e de olhares vagos enquanto aguardam um certo agora, a próxima deixa.

Os fones de ouvido podem até agredir o tímpano e os cílios da cóclea, mas eles também nos protegem.  Nos exime de interações indesejadas no cotidiano, nos protege enquanto sonhamos acordados com sonhos difíceis, mas não impossíveis (depende do tempo e do passo), nos abstém de ouvir argumentos que ferem ou que provocam repulsa; permitem trilha sonora instantânea nos simples momentos do dia a dia. De certa forma, são instrumentos de paz e de guerra, prisão e liberdade.

Vermelha*, esta noite a lua sangrou meus lamentos, minhas palavras silenciadas, meu choro estancado; e desdenhou do amor pujante de meu coração, latente em minha alma. Brilhante, ela iluminou o orvalho com a esperança de inquietude e caminhos diferentes.

 *Lua de Morango, a cheia de Junho.
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terça-feira, 21 de junho de 2016

esses tais mapas


 
 
Época do Aniversário da morte de C. Jung. Renovam-se discussões, argumentos e conflitos sobre arranjos da psiquê; a desafiadora cartografia mental. Todos têm a facilidade de tentar interpretar e inferir no mapa à sua frente, mas fracassam na observância e manejo do próprio mapa. Há quem mistifique as relações entre realidade, percepção e ação/manifestação, há quem tente tornar raso e não razoável o entendimento sobre as nuances da identidade humana. O tormento da Fé, quando a razão não cabe no momento, dominado pela rima, conduzido pelo que se sente. A razão que não cabe no movimento.

Assustador, o contemporâneo seduz com agilidade e superficialidade a nossa aptidão por preguiça em perceber e conceber as diversas relações e respectivos desdobramentos da realidade. Uma realidade que se apresenta em hiperlinks, em rede. A rede nos aprisiona ao revelar nossos limites de transitoriedade e assimilação do todo a partir das partes e suas conexões com a rede (realidade). Lemos apenas o rótulo dos produtos socioculturais, diante do esforço em coexistir e compreender, nos entregamos a automatismos que alimentam os fluxos sociais.

Neste ínterim, a busca por consolidação de pilares como referência de interpretação da realidade e do que se passa em termos de significado e significante na mente do indivíduo é algo que atravanca a reflexão, uma vez que as pessoas se atêm às fontes e não ao conteúdo. Estacionam a argumentação e os conflitos em determinar as fontes oficiais (Carl ou Sigmund? Dentre outros embates), os argumentos da verdade, e assim gastam energia em aspectos periféricos, enquanto o epicentro da identidade humana e reverberações subsequentes não recebem a mesma atenção.
Assim, acredito ser interessante ir além do eco à beira do abismo e da imagem no espelho. As interfaces de nossa identidade devem ser vivenciadas e questionadas considerando os parâmetros do tempo, da significação coletiva, da absorção individual, da constituição do sistema de relevância de cada um e suas diversas interações no sistema social. "Navegar é preciso. Viver não é preciso [...] Viver não é necessário; o que é necessário é criar.", Fernando Pessoa.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Bias tão nossas


 

Tantas são elas, que controlam nosso corpo, delineiam no horizonte o alcance de nossos braços, o ritmo dos passos e a ousadia dos olhares. Fazem morada no indivíduo a ponto de se confundir com a identidade de quem as possui, ou por elas são possuídos. Entrelaçados a elas buscamos aprimorar o reflexo do espelho sem nos ferir gravemente com os cacos. Bias, tão nossas. Bias nada fofas que dão medo "Medo que dá medo do medo que dá".

As ruas e noticiários têm sido pautados pelas nossas fobias. Lampejos de virtudes, de harmonização social até incitam certo frescor no olhar, mas, no entanto, nossas fobias nos pautam. Seria bom se fosse para refletirmos sobre como vivenciar e transpor as intempéries das fobias; mas o que vemos é o registro das consequências de medos maturados em seres despreparados. Pessoas queimadas, corpos mutilados, redes sociais congestionadas, diálogos violentados, matriz energética estagnada, ciclistas, motociclistas, pedestres e motoristas em vias de guerra, guerra urbana, umbigos gritam em palanques, cidadania encarcerada, relacionamentos dilacerados por um utópico e cruel bem comum, que não vem.

Percebemos a fobia como a expressiva materialização da angústia de um medo; vemos o empoderamento de uma castração psicológica que porventura pode estar em segundo plano na mente do indivíduo, mas que é base para as atitudes quase que automáticas; com consequências que transformam não apenas a identidade e caráter de seu possuidor, mas que reverberam no ambiente e em seu respectivo equilíbrio.

As atitudes provindas delas são recorrentemente um instinto de autopreservação que muitas vezes gera agressão ao próximo. Esse medo de que sua identidade e seus valores percam espaço na organização social, de forma a ter supostamente corrompidas suas virtudes, diminuídas suas articulações políticas e sociais, faz com que o indivíduo rejeite a diferença, obstrua o caminho da diversidade, e levante o estandarte de uma moderna inquisição, onde a intolerância grita e pune contra o outro, contra o plural. Mas a existência do diferente não pressupõe que seja soterrado ou exterminado o outro, na verdade se trata de uma flexibilização de perspectivas. Há espaço e tempo para todos.

"Tienen miedo del amor y no saber amar / Tienen miedo de la sombra y miedo de la luz / Tienen miedo de pedir y miedo de callar / Miedo que da miedo del miedo que da (Miedo - Lenine - composição: Pedro Guerra/Lenine/Robney Assis)"

Dalgalarrondo (2006 - apud Mira y López 1964) apresenta o medo como uma alteração dos aspectos emocionais que desencadeia em escalas até a sua inativação, tomando determinada proporção até que o indivíduo alcance estabilidade. Essa leitura concebe seis fases de acordo com a intensidade e abrangência: 1. Prudência; 2. Cautela; 3. Alarme; 4. Ansiedade; 5. Pânico (medo intenso); 6. Terror (medo intensíssimo). Sendo assim, as fobias podem ser encaradas como medos exorbitantes, descomunais, desproporcionais, atrofiadores. O contato com o objeto de fobia estabelece crise, com profunda inquietação e ansiedade por parte de quem possui a fobia. Neste instante de pânico não há lugar para a razão e sobriedade, mas apenas o raciocínio lógico de se livrar do objeto da fobia, seja impondo distância, fugindo, ou agredindo, tentando extirpar da existência. Neste sentido, é possível estabelecer uma relação preliminar: Fobia – Julgamento (da situação) – Punição (do objeto que causa fobia). Essa punição é materializada na intolerância.

A matéria de capa da Revista Puc Minas (Intolerância – Profunda reflexão sobre atitudes hostis e desrespeitosas que têm marcado o mundo contemporâneo. Ed 13 – 2016) apresenta de maneira contundente como “nossas bias” têm interferido na sociedade por meio de uma intolerância enraizada, que abrange aspectos religiosos, políticos, sexuais e raciais. Intolerância essa verificada em gestos, em vocabulários, conceitos visuais, e ordenamento social, estabelecendo-se como fator cultural. No contra-fluxo das atrocidades humanas está o processo de renúncia e denúncia. Denúncia por meio de multiplataformas (oficiais ou não) e renúncia (por meio de movimentos de contracultura) a um padrão de comportamento que só nos distancia do famigerado mundo melhor.

O que seu medo te impulsiona? No que ele te castra? Como ele torneia sua personalidade? Medo ou fobia de insetos, de situações, de ambientes, de sensações, de cheiros, materiais, de sons e até mesmo de sabores. Uma breve pesquisa na internet e você encontra listas de fobias (cada um que até impressiona existir). Contudo, assustador é observar e presenciar como os desdobramentos do medo da diferença, o medo de não controlar e sim ser parte integrante de um grupo social, traçam a realidade. Desdobramentos que podemos resumir em fobia de pessoas. Homofobia, Heterofobia, Transfobia, Politicofobia e polifobias possíveis. Bias traiçoeiras, desde o modo como se instalam na sociedade, até a estratégia de disseminação e ideais para contaminação de novos adeptos. Que as fobias recorrentemente trabalhadas no agenda setting possam nos provocar a uma efetiva melhoria, a partir de pensamentos consonantes para aceitação do plural, contribuindo para uma evolução continuada do modo de perceber a vida e se integrar à paisagem, relacionando uns com os outros sem se perder em utopias, mais ainda assim permitindo sonhos que libertem-nos das bias e elas de nós.

 
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segunda-feira, 23 de maio de 2016

Entrelaços

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Entre os homens lealdade é uma moeda de troca; simpatia é o forro da mesa onde esperanças são estraçalhadas. O mercado de trabalho é voraz. Desassossego. As mentiras despencam silenciosamente, apenas com um suave assovio. Resíduos no chão tornam o caminhar cuidadoso, para não tropeçar, para não perfurar os pés. O impacto assola a alma, entretanto, mantém esteticamente sadias as relações humanas. That’s life Blue Eyes; again. O Ego rege os homens com o chicote da competição, as esporas da vaidade, o chapéu do sucesso (levado pelo vento forte).
 
Entremeio a variedade de discursos, interpretações de ideias e relatos de acontecimentos, sempre existem aqueles que fazem jus à finalidade de sua produção. Encontrá-los é um desafio cada vez maior. Relatos. O umbigo fala. Todos. Corrompemos o bom silêncio. Tornamos ébrias as palavras. O clichê é verdadeiro. Os questionamentos movimentam a sociedade, aperfeiçoa. Questionar é inquietar-se, manter acesa a chama. Todavia, qual o combustível? Há fogo em sarça que não se consome. Eterno.
 
Entre tremores, temores e reflexões. Rosas e algodão. A espinha dorsal permeia algo. Ser tocado pela leveza dos significados, significantes e coisas. Independente das pessoas e das lagartas. O som do bater de asas de borboletas cravadas na pele. Embora muitas vezes “a razão” seja um pingente utilizado ao pescoço e visualizado por nós pelo espelho, hoje um salto de roupa na piscina é o suspiro da sanidade. “A Roseira já deu rosa, e a rosa que ganhei...”.
 
Sabes o homem o que ele deseja. Entretanto vive ele com o que escolheu ou com o que aceitou? Com sentimentos que ultrapassam o tempo, duração e lógica persisto por não saber ser outro senão este que se alimenta do que é. Sensibilidade e certa ingenuidade, outrora crueldade. Apenas mais um tijolo no muro, ou na fundação de uma ponte.
 
Impressiona como a constatação de um instante nos faz compreender os ciclos. A alternância do compasso de cada um em seus ciclos (amorosos, profissionais, existenciais) é o que desenha a paisagem contemporânea de desejos, relações, encontros e colisões. Todos estamos inseridos em ciclos. Seja enquanto ser social, integrado a um sistema de relacionamento coletivo ou enquanto indivíduo, em seu aspecto peculiar e introspectivo. Buscar compreender o compasso de nossos ciclos e as possibilidades de movimentos e harmonização pode apurar melhor o nosso vivenciar. A maneira como atingimos o apogeu (em um ciclo) de um sentimento, de um sonho, de uma esperança, determina como serão dilacerados os olhares de quem ama (não de quem é amado).
 
Fustigado por ter de aceitar uma lógica que me deixa com partes sobrando, sem encaixe, percebo-me mutilado e não lapidado.  Pode-se perceber parte da sensibilidade se ressecar,  formando uma crosta de palavras das quais desconheço o significado e os efeitos, apenas as sensações e sentimentos que lanço sobre elas. Essa nova camada torna-se a base dos argumentos do ser que se integra à sociedade dos choques de ombros e fluxos de mensagens. Contudo o indivíduo permanece indivisível.
 
Entrelaçado, o poema se expande, se integra e se confunde com os passos pela realidade, ameniza os percalços de um entorno de leitura fria, de corações de batimentos rasos, e lábios de algozes apáticos. Resignado em um silêncio que não grita, mas sobretudo canta, o ser contínua vivo, pujante dentro de um instante que é perene.
 
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sexta-feira, 13 de maio de 2016

rsrsrsrsrsrss


Desde a primeira vista, algo aconteceu .... será que entendi errado?

Visualiza e ignora. Olha altivo e ignora. Quando sua risada desce como ácido sobre mim, não reconheço seu rosto; não sei quem vive em meu reflexo. Mesmo tendo firme as volúveis convicções, sou soterrado por palavras que nem ao menos fazem algum sentido. São estruturas ocas de um suspiro transviado. Exposto, parece que entendi errado. Será? Intenso, implodi no silêncio o gesto. O controverso sabor amargo me encanta, fascina e me atordoa. O dissabor de uma constatação, o golpe de uma frase encaixada onde não deveria estar. Arestas que arranham os sonhos deixando-os fustigados, sangrando esperança em um dia tão lindo, em que as cores parecem cantar a quem por elas passa. O tempo passa; ao passo do tempo as perspectivas se alternam. Mãos dadas no horizonte a envelhecer. Dadas mãos juntas a aquecer mais do que lembranças.

A fria tela de um celular, tv ou tablet não se compara ao frescor da madrugada que recebe meus sonhos... o toque suave do lençol sobre seu corpo tampouco se assemelha à textura do encontro de nossos poros entremeio ao toque do lençol sob nossos corpos. Sonho intenso que além de perfume traz as flores, pétalas, espinhos e continuidade, na cumplicidade de sentir renovar o sentimento que nos alimenta o olhar. A respiração que busca ar em seu ritmo de querer mais. os cabelos, as curvas, os encaixes e suspiros.O seu contorcer, o tremor que percorre suas planícies, planaltos e vales... ser lida como merece, sempre e não apenas em um instante. Toda vez que leio seus rsrsrsrs imagino o canto de sua boca receber um doce sorriso faceiro. Daqueles que escondem mais do que revelam. Daqueles que revelam sentimentos e sensações, seus pensamentos mais íntimos, particulares. Aquele faceiro sorriso que manda na brisa sua impressão de um mundo inteiro. Traduções que penso nunca obter, essas dos seus sorrisos de canto de boca, a me encantar além da rima, a delinear um divino sentimento.

Sentado ao seu lado, podia desfrutar da pele viva e linda, do olhar de entrega, da doce voz, das frases bem elaboradas, dos argumentos interessantes, dos anseios e olhares sobre a vida, do sorriso que me castiga ao dominar minhas reações. Percebo-me de volta aos primórdios, à primeira infância, na fase oral, com vontade de morder, de gravar-me em você. Vontade de sentir suas unhas cravarem em minhas costas o elixir da humanidade. Esse sentimento quase antropofágico representa a entrega, desejo, paixão, manifestada em um gesto primário de se integrar ao desejado. Esse integrar-se inspira o amor que poucos experimentam.

“Se ‘você é tão café’ é um elogio; ‘você é tão cappuccino’ chega a ser indecente. Imagina com chantilly e raspas de chocolate meio amargo” E Deus rege o tempo,  nos tempera, nos prepara, nos ensina.

Imagina uma pêra. Madura, suculenta. Lábios se aproximam, respiração muda, boca entreaberta revela os dentes, o prenúncio de uma mordida. Dentes a cravar na pêra que sucumbe seu delicioso caldo entre os lábios que a devoram com intensidade, com entrega. A respiração levemente quente entre teus vales, a boca que flerta com o oásis que sem saber já pressente que está prestes a jorrar, e o corpo treme. Novas fronteiras.

As mãos entrelaçadas são muito mais do que química, vai além do presente; tem se firmado ao longo do tempo como algo que amadurece, se faz perene, com morada no sempre.

O nobre metal que vence as provações, reluz e simboliza o sentimento que não fica para trás, mas continua, cresce.  Afora toda demagogia, reles poesia e declarações superficiais, ele sobrevive. Mesmo que não se materialize como a sociedade está acostumada, ou concebe moralmente.  "Pássaros criados numa gaiola acreditam que voar é uma doença” Alejandro Jodorowsky. Como disse um anjo: "ou não sabem ou tem medo de tentar".

Dentro de um carro, outra dimensão se faz possível; uma onde não é necessário explicar o que se sente e dar satisfação ao outros lacrando-se em infelicidade. Anos atrás... Dentro de um carro minha perna toca a sua, meu olhar encontra o seu, seus lábios entreabertos parecem balbuciar algo, a chama interior, ou o beijo. Eu pergunto o que foi, você responde “NADA” e aquele nada adormeceu até que o tempo nos levasse novamente àquela dimensão. Dentro do carro, minha mão tocou a sua. Despertou algo que não se acabou com o tempo, mas se aprimorou. Cresceu! O tempo que levará os passos para alcançar os sonhos difíceis não sei, mas me entrego a eles, reconhecendo-me como alguém que não sabe o futuro, mas é intenso ao viver, sentir e sonhar.

Suas mensagens, suas fotos. Guardo como recomenda Antônio Cícero (não escondendo, mas olhando e admirando). Todavia, os seus rsrsrs me perseguem nas madrugadas, nas manhãs e tardes onde meu silêncio contemplativo da natureza rompe-se com meu sorriso de canto de boca ao lembrar do seu.... rsrssrsrsrs

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quarta-feira, 11 de maio de 2016

Fantástica fábrica de ilusões



Os aspectos que nos fazem humanos, orgulhosos do que vemos no reflexo do espelho d´água, hora ou outra se contrastam com nuances de nossa vergonha, peculiaridades de uma personalidade que buscamos aprimorar.

O referido aprimoramento nem sempre tem o mesmo ritmo e intensidade que poderia provocar uma efetiva mudança, no entanto já se estabelece como um suspiro da esperança. Suspiro que reverbera e ganha força em narrativas que perpassam gerações.

Assistir, re-assistir e assistir outra vez a Fantástica Fábrica de Chocolate (1970 e 2005) deixa um sabor de quero mais na boca, aquela pequena e intensa fisgadinha no final da língua, onde fica o sabor do "quero mais". Desperta o desejo de revisitar nossos valores, os personagens que assumimos no convívio social e nossa relação com o prazer.

Em 1970, a narrativa mostrava o valor referencial da família como base para buscar melhores condições de vida, em contraplano com o egoísmo e dissimulação presente no ser humano. A história corre sem explicar muito sobre passado e futuro, sem dar detalhes da origem familiar de Wonka e sem especificar demais as mazelas vividas pela família de Charlie, tampouco os desdobramentos após ganhar o prêmio. Durante o filme, a honestidade de Charlie e dos outros é testada não apenas para conseguir um produto secreto, mas especificamente atacando as fraquezas e prazeres individuais.

Em 2005, percebe-se foco maior sobre história e valor da família tendo que especificar origem e futuro, estabelecendo e resgatando referenciais morais, abordando temas como redenção entre pai e filho, fortalecimento de elos verdadeiros  de amizade, de contato humano, de resgate da essência, mostrando inclusive os desdobramentos após Charlie vencer. Na trajetória, o contraplano à ambição dos personagens pela posse desenfreada, pelo transpor limites estabelecendo as próprias regras (pautadas na arrogância egocêntrica).

Após subir os créditos, além das canções das duas versões, ressoa um pensamento sobre como podemos nos encontrar entremeio ao turbilhão de informações, demandas, sonhos e realidade da contemporaneidade. Como aperfeiçoar o ser humano que somos a ponto de contribuir para as relações sociais e principalmente com aquela sensação de satisfação que tanto buscamos antes da última piscada do dia.

A cada mordida em um chocolate (impossível não comer após ver e pensar no filme) a língua se envolve com um sabor que não se adequa a palavra alguma, assim como o ser humano em sua totalidade não se adequa a nenhum rótulo ou regra. A transitoriedade da personalidade humana sobre o tempo e contexto social revela a esperança de que algo não necessariamente novo possa ser efetivo instrumento de evolução, de mudança. Talvez seja a premissa para perenidade de sonhos e vidas, outrora pode se tornar argumento de ilusões que mantém funcionando os pulmões.



Sobre:
Willy Wonka and the Chocolate Factory (pt-br: A fantástica fábrica de chocolate / pt: A maravilhosa história de Charlie) é um filme musical dirigido por Mel Stuart e lançado em 1971, estrelando Gene Wilder no papel de Willy Wonka. A história é baseada no livro infantil Charlie and the Chocolate Factory de Roald Dahl (autor também de Matilda), publicado em 1964, contando a história de como Charlie Bucket encontra um "Bilhete Dourado" e visita a Fábrica de Chocolates Wonka com outras quatro crianças. Em julho de 2005 estreou a versão de Tim Burton, com Johnny Depp no papel de Willy.


Publicado também em: http://obviousmag.org/rumos/

sábado, 30 de abril de 2016

Listas de listas




Listras de conhecimentos listados em linhas, rankings, especulações da felicidade e facilidades contemporâneas. Resoluto, o cidadão tropeça nas listas de jornais e revistas, compartilha em redes sociais e se liberta ao criar as próprias listas. Seja dica de autoajuda, profissional, espiritual, Cultural, sexual, de presentes, de futilidades, de doenças, de mortos, de indicadores econômicos, de desenvolvimento, de técnicas de se alcançar o desejado, … as variáveis são tantas que complica até listar aqui.
Este mecanismo de requentar assuntos em pautas frias e instigantes ao leitor de “rapidinhas” extrapolou a mídia e as rodas de bate papo e se tornou a nova narrativa do mercado editorial. Livros e veículos de comunicação utilizam desse atributo soterrando o leitor de informações que muitas vezes ele nem entende a finalidade de estarem reunidas em uma lista.
 
Muitas servem de acalento a editores e leitores, uma vez que preenchem  lacunas nas páginas e nas vidas. Impressiona como este artifício está incrustado na narrativa contemporânea. E são atrativos, pois os leitores estão atarefados e com o tempo escasso para se dedicar a uma leitura extensa. Desse modo, as listas são algo que permitem ao leitor se inteirar sobre um assunto específico sem ter de dispensar muito tempo para a leitura. Basta ler os 15 elementos do homem moderno, as 5 Dicas para aumentar a motivação à segunda-feira, os 10 Passos para estar sempre informado, as 7 estratégias para ser uma pessoa interessante e por aí vai….
 
Listas sobre tudo. As músicas para trabalhar, para amar, para chorar, para escrever, para ler… Os melhores filmes de amor, as melhores cenas de desilusão, as palavras mais buscadas na Internet, as cores mais usadas em uma entrevista de emprego, o que não deve se dizer no primeiro encontro, o guia das preliminares do gozo perene, os tópicos essenciais para a preservação da espécie, as palavras menos ouvidas quando se quer um abraço, as pegadas da riqueza, as migalhas do abismo, físico, quântico emocional.
 
O que antes era complementação de uma pauta, um infográfico para atenuar o texto, agora é o próprio texto e cobre toda uma pauta. O processo composto de  Produzir e consumir informação sofre as costumeiras interferências do tempo, da evolução das plataformas e da maneira das pessoas se relacionar com tudo e todos. Assim, cada qual elege em seu sistema de relevância os indicadores que determinam sua dinâmica de consumo / produção de conteúdo. Neste sentido, ao transitar pelas narrativas, o olhar do leitor é fisgado por uma lista que o atualize, que o livre do estresse do dia a dia, que o proporcione risada, um alívio ou o preparo para o porvir. Então, liste suas amarguras ao lado de suas esperanças, trace um infográfico com seu sonhos e reveja como se definirão suas escolhas, sejam elas politicas,  sociais, espirituais, emocionais ou culturais.
 
 

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Onomatopeia da vanguarda


As pessoas seguem compartilhando códigos, o emoji se instala em todos os diálogos. Abreviações das narrativas, significação dos sentimentos e pensamentos como era no princípio agora também no fim(?) mas com direito a backup digital.

O contexto é a codificação essencial para viabilizar a plena comunicação (garantindo reverberar o conteúdo e possibilitar a interpretação das mensagens). A contextualização passa, essencialmente, pela utilização de mecanismos tradicionais de narrativa: Texto ou fala. Dessa forma é possível a ambientação de linguagem.

Considerando as nuances de um diálogo pleno tão buscado em relacionamentos pessoais e corporativos; qual o emoji do silêncio? Esse aspecto tão importante no diálogo, permitindo absorção de ideias, organização de argumentos, respiro e retomada de interação. Concebendo aqui o diálogo pleno como aquele que possibilita diversidade de vozes e silêncios.

O novo encanta à medida que também assusta. Ele liberta, agiliza, conforta, tanto quanto acomoda e atrofia. As pessoas entregues às novas plataformas de comunicação recorrentemente se abstém de premissas elementares para o processo de comunicação. Desse modo não há um desenvolvimento estrutural das relações e dos diálogos, mas apenas uma mudança no fluxo das mensagens, em volume, forma e intensidade; sendo que o conteúdo, suas interligações e reverberações desconsideradas e eximidas de qualquer ação de planejamento.

Esse planejamento estratégico não precisa ser apenas algo macro, com antecedência, mas também algo específico e instantâneo; em pílulas. Para isso, o indivíduo precisa ter um repertório e sistema de relevância que o capacite a fazer esta análise.

As organizações, ao se instalarem em uma comunidade, pouco se atêm em pensar no legado a ser construído naquele ambiente. A visão de futuro contempla a perenidade econômica e produtiva do empreendimento e não os aspectos sociais pertinentes a um processo de relacionamento e comunicação sustentáveis. Quando abordam a área social, as empresas buscam mitigar impactos de sua atividade e não fazem uma leitura sincera e real da paisagem, identificando as demandas e oportunidades de ação.

O transitar a margem e o epicentro das narrativas precisam ser constantemente considerados na manutenção dos processos de comunicação, gestão pública, relacionamento institucional e ordem social.

A escritora Alexia Clay, ao afirmar que as respostas para crises globais e locais podem estar em quem não se encaixa no ambiente, ou seja, na inquietação, reforça a visão de Albert Camus e sua visão do estrangeiro. O estrangeiro traz no seu olhar o equilíbrio e a solução para as circunstâncias. Pois ele consegue observar o sistema, seus fluxos, brechas e contrafluxos. Assim, é possível uma intervenção que possibilite ruptura e desenvolvimento estrutural. Neste ínterim, importante ressaltar que todos podem ser estrangeiros. Esse desajustado em relação ao sistema vigente, ao causar interferências e contribuir na superação das crises (sociais, políticas, econômicas e de comunicação) participa simultaneamente do estabelecimento de um novo modus operandi. Dessa forma, os desajustados tornam-se ajustados, a serem sobrepostos ou questionados em um novo cenário de crise, por novos estrangeiros (ou desajustados) que podem tanto acrescentar algo novo, quanto resgatar o que era dantes.

Contudo, ao observar as tentativas (às vezes espontâneas) de modernizar os processos de comunicação e relacionamento social e institucional a partir de novas plataformas, percebe-se que as mensagens recaem sobre a utilização dos mesmos mecanismos: códigos infográficos que carregam um significado interligado ao perfil referencial de um grupo social ou uma massa de usuários.  Esses novos hieróglifos que marcam as mensagens usadas pelas pessoas e até mesmo testadas por empresas anseiam ser a onomatopeia de uma vanguarda que não chega, mas que não pode deixar de ser buscada, uma vez que o processo de busca possibilita a evolução.
 
Publicado também em: http://obviousmag.org/rumos/