terça-feira, 10 de março de 2015

puro sangue



Ilustração:Ramon Bruin
Somos preciosistas ou conceituais demais. O jornalismo puro sangue, assim como o ser humano puro sangue, é figura de um folclore de um tempo sem parâmetros de referência, onde tudo o que surgia, rompia paradigmas e se estabelecia como o novo, a referência. O "sangue" do jornalismo funciona como um rio rumo ao mar. No caminho, ao longo do tempo, recebe interferências de seus afluentes, e também das condições geográficas do trajeto. E nesta narrativa, um rio sem afluentes não sobrevive às crises hídricas.

A mutação que encontramos atualmente nas redações é fruto do turbilhão tecnológico (que torna mais ágil o acesso, produção e disponibilização de conteúdo), juntamente com a alteração do modelo econômico (fôlego financeiro dos veículos). Percebemos a intensificação de jornalistas nas assessorias de comunicação, o surgimento de veículos segmentados (vários para cada assunto) e as tentativas de negociação financeira de conteúdo.

Entretanto, as faculdades entregam focas ao mercado e o mercado cada vez mais sufoca os profissionais. Trocadilhos infames são instantâneos diante de uma realidade cada vez mais clichê. Recentemente (janeiro) O jornal O Estado de Minas, promoveu um corte em seu quadro de funcionários (11 jornalistas). A TV Bahia (março) mais 37 profissionais. O Estadão (fevereiro) mais de 10. IstoÉ Gente é fechada e Editora Três demite 20% das redações. A conta pelo país só cresce; parece acompanhar a evolução das demissões no setor industrial. Trata-se de uma questão econômica e administrativa do país ou uma estrutura atrofiada dos veículos?

Muito se fala da estrutura das narrativas (que tem se distanciado de um tal "puro sangue"), das interferências causadas pelo repertório que se sobrepõe e o tempo de dedicação que se esvai. No entanto, é preciso analisar todos os aspectos que compõem a produção da narrativa. A infraestrutura (condições das redações) e a psicológica (a relação entre pressão e produção, estresse, capacidade de percepção, fôlego em apurar e narrar, dentre outros).

O contexto social pede outro modelo de narrativa ou ele soterrou o modelo ideal de apurar e narrar, sem se perder nas facilidades da modernidade e forca dos bolsos? Mas do que respostas definitivas, o fazer jornalismo deve prezar pela continuidade, inquietude em questionar e versatilidade em propor reflexões que podem ou não serem respostas. Dessa forma, ao invés de cair no arcabouço político e empresarial, o jornalista consegue tornar mais perceptível a essência de fatos polêmicos que ganham apelidos de mensalão, petrolão, dossiê multicolorido, e tantos outros. A busca pelo jornalismo puro sangue está em saber fazer uma transfusão periodicamente, sem esquecer-se de também doar e às vezes até sangrar. A interação social, a sobreposição de versões, percepções e tempo aprimoram o DNA do jornalista (e do indivíduo) para a sobrevivência e não para ser uma obra de Dali.

Disponível também no Observatório da Imprensa -  http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed841_jornalismo_puro_sangue_()

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canalha afiado como a rima
o sangue não se contém nos versos
viver o amor no fio da navalha
as lágrimas extrapolam 
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