terça-feira, 29 de dezembro de 2015

relance do espelho

Gerações se sobrepõem atrás de um perfil de satisfação e relacionamento eficaz entre poder e prazer. Aspectos seculares do ser humano repetem-se simulando evolução, confundindo pluralidade com vanguarda, travestindo o mesmo com nova roupagem e apresentando-o  como novo.

A sagacidade como busca dar conta de tudo (fluxo de informações e evoluções sociais e tecnológicas) fez com que a geração atual tropeçasse em situações simples, expondo assim sua fraqueza em lidar com a dor, frustração, e improvisação diante das adversidades. Por isso, resiliência se tornou ainda mais um diferencial na escala evolutiva da humanidade. De problemas domésticos, indisponibilidade de eletrônicos, até mesmo tarefas como cuidar da cria desde o nascimento tornaram-se entraves de uma geração de super-heróis e mulheres revolucionárias, de mercado. Falta equilíbrio, maturidade e menos preconceito. A desestabilização emocional dos homens (em eterna puberdade) e das mulheres (sem saber o que fazer ao sair da caverna) é tão evidente e patológica que tem sido tratada como algo comum na timeline da contemporaneidade.

Não sabem lidar com uma bomba de caixa d'água estragada, dias sem internet, momentos sem eletricidade, cuidar da roupa, da casa, da alimentação, cuidar de crianças, lidar com perfis profissionais divergentes,  administrar as finanças e a lista se expande a cada dia. A geração prefere delegar as atividades básicas operacionais e assim exercer seu poder de se entregar ao prazer de nada ter que fazer. Neste ínterim, escolhe a virtuose que lhe apraz, sem se preocupar com a "paisagem" mas apenas no seu momento de gozo nela. Entretanto, têm habilidade em terceirizar. Sabem pagar por serviços (inclusive de escolha) e produtos, para assim se preocuparem apenas com o foco de sua relação de interesse, poder e gozo.

O indivíduo precisa desaprender o que pensa ser e aprender a conviver em sociedade. Fala-se tanto em estabelecer limites, restringir acessos, bater ou não bater. Ninguém nos ensina a "ser social". (Não se trata de aprender a enquadrar uma selfie). O ser humano aprende a ser político na prática, absorvendo do meio a moral e determinando seus próprios valores. Com parâmetros intuitivos, ou referenciados via agenda setting, o indivíduo navega sem leme. As corporações e instituições professam conceitos emblemáticos (ética, compliance, segurança, qualidade de vida, responsabilidade social, sustentabilidade, investimento social privado, e etc.) que são os mesmos de outros tempos, mas agora com outra roupagem. A falta de atitude transformadora infelizmente também; alimentando assim a crítica, textos em perspectivas, as reflexões, bem como a demanda por mudanças. Neste cenário a resiliência brilha nos olhos de quem a tem.

Os produtos culturais encontrados transitam em reboots, remontagens, refilmagens e pouco de um olhar diferenciado que instiga o espectador, a plateia, a se re-ver como personagem com voz (nem que seja narrativa) e potencial de interferência na paisagem que por muito tempo apenas contempla, se torna (e se coloca como) vítima e algoz.

... publicado também em: http://obviousmag.org/rumos/2015/12/relance-do-espelho.html

sábado, 28 de novembro de 2015

Esse olhar


 

 

O rito da legitimidade das mensagens sofre pressão da diversidade dos meios e plataformas de comunicação. Os trâmites essenciais do processo de construção e disseminação de mensagens exigem agora não apenas habilidade para atuar em multimeios em tempo hábil (imediato), mas fundamentalmente em desacelerar um pouco a avalanche comunicacional e trabalhar a percepção sobre o que se quer dizer, a mensagem construída, as partes envolvidas, os repertórios destas partes (para tentar compreender a dinâmica de percepção), os desdobramentos de interpretação da mensagem e relacionamento com o processo de comunicação; tudo isso de forma perene e integrada à questão do tempo na contemporaneidade.

“A comunicação é a vítima desse progresso e é preciso desacelerar e realizar autorreflexão sobre ela”, com sabedoria se posiciona Dominique Wolton em entrevista à Comunicação Empresarial (Ed 95 - ABERJE 2015). Dentre os aspectos pertinentes a essa autorreflexão, na busca pela famigerada legitimidade, estão a linguagem, a percepção, o ritmo e os limites.

Após definir a mensagem e o público, é necessário refletir sobre a linguagem a ser estabelecida na narrativa, seu formato, plataforma e peculiaridades. Atentar ao ritmo de transmissão de mensagem e os limites de desdobramento (esses praticamente inexistentes). A partir disso, deve-se observar e até mesmo (resguardando a distância de observação do outro de Clifford Gertz) interagir com a percepção do outro para assim aperfeiçoar o processo de comunicação, redefinindo os ritmos da narrativa (incluindo a linguagem), limites de reverberação do conteúdo e a legitimidade de suas interpretações (atrelando vínculo com a fonte oficial do conteúdo).

O tempo inevitavelmente passa e isso não deve ser angustiante, mas argumento e espaço ideal para transformações e aperfeiçoamento, não em busca de perfeição, mas da perenidade do processo de comunicação, possibilitando inquietude, questionamento, diálogo, consenso e a liberdade de pensar e conviver. Neste sentido, o passar do tempo incita-nos a trabalhar esse olhar; esse olhar a realidade, olhar os sentimentos, espaços, pessoas e sentidos e assim narrar (em gestos e palavras) nossa experiência enquanto organismo vivo em interação social.

 


Esse seu olhar trincado, esse órgão fustigado pelo que pensa ser realidade. Suas palavras cheias de significados e escassas de sentidos tornam todo jardim um labirinto, onde os pés se ocupam com espinhos e a mente se liberta com os pássaros.







;

terça-feira, 27 de outubro de 2015

espaços sentidos



A intensidade dos fluxos contemporâneos evoca reflexão. Metal, plástico, palavras e concreto armado sobre cabeças, sob pés. Recursos humanos e naturais na luta por um futuro aprazível. Cidades atrofiadas, campos mal utilizados. A sociedade tropeça em sua essência na busca por uma sustentável leveza de ser.

Pensar o querer geral e ser racional de Immanuel Kant e também perceber a relação dos seres com os espaços a partir do interesse e suas vertentes diversas. Os indivíduos com objetivos específicos, interesses pessoais se tornam seres sociais. Os seres sociais buscam estabelecer um ordenamento embasado no interesse coletivo. Todavia, o interesse coletivo é por muitas vezes uma roupagem aceitável do Interesse Dominante. Ou seja, um indivíduo articula seu interesse pessoal de forma a viabilizá-lo como o interesse de um ser social com potencial de se transformar em interesse coletivo. Por persuasão, submissão ou identificação para alcançar fins pessoais, outros seres sociais tornam-se adeptos do interesse proposto tornando-o Coletivo. Quando analisado em profundidade, este interesse nada mais é do que o interesse dominante não de um grupo, mas de um ser com poder articulador às vezes imperceptível em sua ação, mas evidente em suas consequências.

O significado de um espaço vai além de sua finalidade. O que um espaço representa para o grupo social e para um indivíduo diz menos sobre a estrutura e mais sobre quem com ele se relaciona. Inspiramos e expiramos sentimentos e sentidos, atribuindo significado às pessoas e espaços com os quais nos relacionamos com o passar do tempo. Neste sentido, quando passamos novamente por um local, é como se passássemos os olhos em um hipertexto construído essencialmente com partes de nós. Os links (de nossas experiências, mecânicas, orgânicas, superficiais ou não com aquele lugar) despertam novos olhares ou antigas sensações. Para isso, o tempo é quem determina o grau de envolvimento no momento da releitura dos espaços. Tempo de exposição, tempo de disponibilidade, tempo da lembrança e da memória. E a maneira como acessamos esses links interfere na dinâmica constituição do nosso caráter e na determinação das escolhas do presente.

A partir deste olhar, podemos conceber os espaços também como organismos vivos, erguidos e sustentados na multiplicidade de ser. A relação com ele vai além da simplicidade de definir se é público ou privado. Na dimensão de nosso relacionamento com ele, ora concebemos o espaço como privado (nossas percepções, sentidos, interesses e significados) e como público (finalidade operacional, interesse coletivo ou estrutural do local). Um local carrega em si apenas sua matéria estrutural ou também guarda os significados que os indivíduos a ele atribuem? Os significados estão em nós e são disseminados pela linguagem que utilizamos para representar os espaços? Refletir sobre esses aspectos pode contribuir para uma madura percepção dos indivíduos quanto à organização social, bem como a construção, uso e ocupação dos espaços. Trata-se de um vislumbre de um horizonte onde existam comportamentos além de La Belle Verte (filme de Coline Serreau - 1996). Talvez dessa forma, a famigerada sustentabilidade possa deixar de ser discurso e se consolidar como um retrato da vanguarda. Esta última materializada a partir de um novo olhar sobre organização espacial e suas possibilidades diante da demanda humana por subsistir e evoluir.

Publicado também na minha página em:
© obvious: http://obviousmag.org/rumos/2015/10/espacos-sentidos.html#ixzz3pn4Xey00

---

sábado, 3 de outubro de 2015

sabor


Boquiaberta lembrança de uma degustação simples, porém crucial para continuar vivo e não apenas respirando. Se o amor se escondesse em um sabor, talvez seria chocolate ou creme de amêndoas. Pertencer ao sabor à medida que a língua se envolve, e a saliva inunda de desejo a boca. Pertencer ao sabor que não cabe em palavras; espressões do que realmente somos, sentimentos e sensações desdobradas em um suspiro, um gemido. Se são seus lábios ou se é um brigadeiro tradicional, ou de café, cabe à mente ditar ao coração o sabor que a língua sente.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Conflitos Corporativos



As estratégias e as diretrizes para identificar, conhecer e tratar os conflitos sociais que afetam o ambiente corporativo são várias, no entanto, enquanto empresas e instituições buscam por receitas para padronizar ações de tratativas (na maioria das vezes alicerçadas no viés jurídico), os conflitos passam constantemente por mutação não em sua essência, mas na forma de se hospedar e interferir no cotidiano.

Neste sentido, na busca por resguardar o patrimônio, não vale mais aquela máxima do "abafar o caso", extirpar com ações agressivas o assunto e sua reverberação na tentativa de silenciar e não tratar o conflito em suas causas.
A premissa básica para a gestão de conflitos é ter técnicas definidas para Identificar, lidar e minimizar a situação. Neste sentido, é fundamental considerar os aspectos de Intensidade / Características / Contexto; Metodologia, Mensuração e monitoramento (de aspectos e impactos).

É fundamental compreender o universo do conflito. Seguindo uma visão de paisagem, é necessário observar o todo e os detalhes, interrelacionando-os, compondo assim a paisagem. Dentre os aspectos relevantes estão:

- Identidade Cultural dos envolvidos

- Vocação Socioeconômica da região e dos envolvidos

- Perfil de financiamento das ações e grupos de conflito

- Interesse da iniciativa privada (geral e local)

- Interesse / tendência do Poder Público (Estado / Município)

- Perfil político da sociedade civil (comportamento)

- Demanda legítima da sociedade (quais são)

- Apetite a risco dos atores envolvidos no conflito (Ações Admitidas e Custo das ações)

Quando os conflitos entre comunidades e instituições estiverem amparados em uma demanda social legítima, as soluções efetivas deverão contemplar o envolvimento da Instituição com os problemas  estruturais da sociedade e para isso é fundamental estabelecer diretriz específica para o assunto.

No manejo do apetite a risco das instituições é necessário lucidez na execução dos planos de ação. Quando acontecer, a internalização de custos ambientais e sociais deve seguir um planejamento estratégico que não comprometa a rentabilidade do empreendimento, por mais que interfira no Plano de Negócios da instituição.

A diversidade cultural que compõe cada indivíduo é premissa para a oscilação entre harmonia e conflito em diversas esferas. Trata-se de uma dinâmica que começa em si (o indivíduo consigo) e expande à medida que ele se sociabiliza. Na interação entre sociedade civil organizada e iniciativa privada, a dinâmica (harmonia x conflito) é potencializada pelos interesses e necessidades de todos os envolvidos. Desta forma, mesmo que tenha impacto pontual, restrito e localizado, um conflito nunca deverá ser abordado de forma simplista. Mesmo que ele possa ser resolvido por ações simples, é necessário compreender e se integrar à complexidade que o envolve e os possíveis desdobramentos.
 
...

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

traço

O caminho do traço revela nuances de uma face que há muito tempo o espelho não via. Espasmos de sentimentos silenciados sobressaem sobre as flores sob os raios solares. O jardim é o texto, as pegadas o rastro de uma escrita de amor e cumplicidade.
 
Sua face rompe a brisa com uma interrogação. Seu silêncio deixa escapar as reticências... Sublime silhueta do desespero. Sua presença é o agravo das impossibilidades, mas é bela de uma forma limpa, distante. Admirável é sua face rompendo o ar, perfumando meios olhos, dissipando o perfume da solidão. O desdém se estabelece como propulsor de atitudes de conquista ou de estrangulamento. Você balbucia o precipício sem perceber que apenas repete o eco, luz de uma estrela morta. Assim a narrativa, como um rio, muda seu curso.

;

O laço é a rima
o traço corrompe o branco e com o risco purifica a vista,
 delineia meus sonhos no silêncio.
O desfecho no texto que não lido se foi,
sobraram rosas e perfume.

terça-feira, 1 de setembro de 2015

pontuação;


Quanto mais meios, mais fins. Argumentos, desabafos e narrativas do porvir. Entre imagens que gritam e textos que silenciam: a vanguarda é o insistente "nunca será" que ecoa entre nós.

Assimilação é o diferencial de mercado. Todos produzem todos consomem. Quantos assimilam? Narrativas pulsam onde quer que o cidadão se volte. Sob este aspecto, tudo nos é novo e acessível, mas não necessariamente necessário. Ao se perder em acessar tudo quanto se pode, o cidadão fica na superfície de tudo, ao invés de mergulhar em algo que faça para ele alguma diferença, nem que seja nele mesmo.

O indivíduo que conseguir selecionar e organizar (cada um com seu senso e método)as narrativas que consome e produz, e posteriormente assimila o que é, a partir do que consome, interage e cria, então ocupará (às vezes sem perceber) um lugar especial na organização social, pois seu potencial de interferência no grupo social será mais apurado, uma etapa à frente do automatismo reinante.  Além disso, ele terá uma percepção mais intensa sobre suas experiências e sobre as perspectivas da vida.

A ruptura de tudo aquilo que se esconde corrói nossa alma de forma a contaminar a paisagem com nosso olhar. Isso é o que se propõe mas, inalterado, o ambiente é sutilmente acrescido de sentidos que passam desapercebido. Reféns; de nossos semelhantes, de nossas escolhas e pensamentos. Ninguém há de libertar ninguém. A hipocrisia impera até mesmo na face daqueles altruístas afogados em compaixão. Bandeiraram o Cristo ao invés de vivê-lo. Fazem com uma mão e divulgam com todo o corpo. Pintam arco-íris de ideologias, professam uma tradicional família e massacram valores básicos ao pé do ouvido.

Rompeu o solo a raiz que me sangra. As palavras saem nuas, sem sentido algum alfaiatado. Com suas formas espontâneas e inocentes, suas arestas e seu suor. Já não caibo mais nos clichês que tanto me alimentaram. Narrativas me encantam pela manhã e me conduzem para cama a noite. Quando a amargura entorpece ao coração, cabe à língua dar ou não vazão. E quando o refrigério vem, como um momento de gravidade, você hesita em sobrepor mãos; pois os lábios ressecam, tosse, a pupila dilata naquele quarto escuro; e a tela que brilha fustiga o tempo lá fora. A liberdade que expande e que nos aprisiona, tudo é tão simples e intenso.

Eu não voltei a escrever, pois não consigo respirar. Nunca parei de inspirar e pirar expiração enquanto não conseguem ler. Todos enxergam as frases, sem perceber o que o texto é. Gentileza é poesia, muito mais que verso. E a fé, a fortaleza que nos faz perceber o brilho e o sabor da vida que nos rodeia, que nos entrega e integra. Cansado, com uma paz que não cabe, com os dias que a guiar não veio. Ah, guiar não veio. Nunca virá.

A dimensão do não ser. Tudo está nas nuvens, a internet é o Big Brother (de Arthur Blair) e a grande biblioteca (o backup de nossa arrogância), mas quando chove não encontro mais a gota que eu evaporei. Doce tempo, amargas minhas lembranças de um futuro tão terno. Não há esboço para você e pra mim. Simples assim. Qual é o nosso traço? O que podemos assimilar?

O animal que sou nesse zoológico de trocadilhos. O termo que sou no texto que não escrevo. O tropeço e a pedra no clichê do poeta, no traço no muro, na rima no silêncio.

Tenho sede de paisagens. Tenho sede das suas paisagens, completou o menino que permanece calado.
E o quanto se assimila pode ser o que distancia a mensagem do meio; o significado do indivíduo.
A vírgula me para, o tempo me volta...

Veja também: http://obviousmag.org/rumos/

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

migalhas em rugas


Quanto tempo é necessário para decompor-se no ambiente o papel? O plástico, vidro e o metal? Quanto tempo é preciso para que o corpo se definhe; que o ser humano se dissipe no ambiente? Uma ideia; uma escolha.

Perpassamos nossos sonhos e frustrações entremeio à realidade do cotidiano em busca daquela sensação de frescor. Frescor de um sorriso, de um sabor, de um acontecimento ou momento em que as pressões humanas são aliviadas. O que pensamos possuir e o que pensamos descartar transformam-se ou se decompõem.  Três a seis meses (Papel), 200 a 450 anos (Plástico), 100 a 500 anos (Metal), 4.000 anos (Vidro), uma ideia, uma palavra, um olhar (nós).

A ordem e a descrição das responsabilidades de cada ser social têm enfrentado recorrentes turbulências. Quem administra e quem é o provedor, como são tomadas as decisões, quem rema e quem controla o barco. Quem cuida do público e do privado. Quem pilota a aeronave e quem mantém a harmonia entre tripulantes e passageiros. Quem escolhe o cardápio, quem prepara, paga a conta e lava a louça. Afora exceções, a sobrecarga de funções sobre um dos seres ou a irregular e intuitiva divisão de afazeres, junto do ritmo urbano imposto como "padrão automático de conduta" tem resultado em seres humanos à beira de um colapso nervoso e social. Muitos, estão a uma escolha de descartar-se da ordem social vigente e se dispor no ambiente, para se decompor ou para experimentar de uma suposta nova realidade.

Neste ínterim emergem modelos alternativos, as modas das academias, dos guetos intelectuais e esportivos, dos orgânicos, dos entorpecentes, da passividade, do vandalismo, do crime e castigo.  Culpar o contexto e o repertório do indivíduo é clichê. É um clichê falar em clichês. Refletir sobre como são estruturadas as escolhas é um desafio. É inegável o poder de interferência do estímulo do ambiente (provindo do famigerado contexto). No entanto, como este estímulo é recebido pelo indivíduo e como o leva a tomar decisão? Acredito que nas rugas de cada um há migalhas da essência, do elixir que estrutura as escolhas e registra no olhar, no corpo e na alma as consequências.

Quando olhamos para pessoas entregues às drogas, à violência, às modas, à utopia do corpo perfeito e da mente brilhante; percebemos o exagero de teorias, receitas, referências, sorrisos e lágrimas. Ao fundo, muitas vezes a angústia da saciedade.

A angústia da saciedade. Transmutada em necessidade de ser feliz. Manifestada como busca em realizar sonhos. Materializada em capacitação profissional, viagens, religião, relacionamentos, posses, poder, enriquecimento e reconhecimento. Para alguns ainda, a aceitação é o estandarte.

A autoafirmação da identidade, saber e sentir que existe e tem importância; considerando que o reconhecimento passa pelo o outro; pela convivência social e até mesmo com a natureza. Todavia, incomoda a sensação do algo a mais. A paz abstrata e tão real que poderia não nos saciar, mas abrandar a angústia é única para cada um, mesmo que seja a mesma (ou semelhante) para muitos. Sem respostas definitivas, às vezes o prumo e o rumo está em refletir sobre as escolhas, seus efeitos e desdobramentos; sem tornar-se prisioneiro da reflexão; pois o tempo não para, não passa, ele é.
Veja também: http://obviousmag.org/rumos/

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

caminhar na névoa


No processo de criação de narrativas, precisamos ter cuidado para não nos perder entre a ânsia de repetir discursos implementando impressões pessoais e a necessidade de alcançar a vanguarda, cativar um público que o reconheça como narrador.

Histórias (inventadas ou não) estão postas no cotidiano. Entretanto, é preciso conhecer os aspectos que envolvem a narrativa; além do famigerado contexto, as características de cada indivíduo em ouvir, contar e registar histórias passam pelo prisma da percepção, compreensão e respeito.

Relacionamo-nos não com as pessoas (em si), mas com as representações que elas fazem de si e as representações que a sociedade reflete sobre elas (pessoas). Contudo, há um encantamento que proporciona intensidade à relação, gerando desdobramentos que vão além das representações; esvaem-se em outras narrativas.

Conviver com o humano; viver; é caminhar na névoa. Adoro caminhar na névoa. A distância impossibilita prever acontecimentos, apenas conseguimos vislumbrar nuances do porvir. Enquanto se adentra à névoa, naquele espaço perto de você ela quase que se desfaz ao te envolver. Você se torna névoa para os outros, você se torna  mais um no meio dela.

A multiplicidade tão temida pelos conservadores, e por quem tem dificuldade em lidar com o que é diferente (não necessariamente novo) é o diferencial para sobrevivência e sucesso de mercados, organizações e da sociedade. Conceber que o ambiente é multifacetado e composto pela diversidade é fundamental para construir narrativas acessíveis, transparentes e efetivas no objetivo da mensagem elaborada.

Neste sentido, caminhar na névoa é um necessário exercício constante, que perpassa o processo de autoconhecimento, percepção do outro, compreensão do ambiente e concepção de mensagens.


 

sábado, 22 de agosto de 2015

nossas pegadas

Nos perdemos muitas vezes em fluxo e contra fluxo das ilusões, desejos e histórias entrelaçadas em textos, poemas, olhares, desejos e suspiros. O que há de paz na inquietude de um sentimento é o que perpetua através do tempo a história de cada um. Ora outra hora certa, sentimos a tentação de pronunciar Jeder für sich und Gott gegen alle, mas lembramos de Kaspar e de como sutilmente podemos expandir como o universo, no silêncio, felizes.

O certo está em fazer o que se quer, seguindo o desejo sobre qualquer padrão social ou lógica moral, ou o certo está em fazer o que moralmente se espera de um ser humano? O cinto do que é aceitável cada dia novo tem um outro furo.

A estrutura da pergunta possibilita muito mais do que tentativas de respostas, mas sobretudo torna inquieta a reflexão sobre o que somos, para onde vamos e como vamos.

No ínterim de compreendermos nossa identidade e realizarmos sonhos, por favor não se declare (sentimentos e ideologia) em hastags, mas em atitudes contínuas, que manifestam o aspecto volúvel de seu caráter à medida em que o tempo passa. Permita que sua essência seja espontaneamente semeada em seus gestos e atitudes, transpondo até mesmo as palavras.

A forma como lidamos com os fatos da vida é determinante para definir as marcas a serem deixadas pela nossa trajetória e demonstra em gestos as nuances de nosso caráter. Entre as pegadas que ficam, e a "pegada" que temos, melhor narrador não há do que aquele que consegue observar a superfície de dentro, a terceira margem de cada indivíduo e ser também estrangeiro, completando a narrativa com a visão mais abrangente do quadro. Ver o detalhe e toda a paisagem.

Os meios de comunicação vieram para facilitar e intensificar o relacionamento, as narrativas, a emissão e percepção de mensagens. Eles facilitaram; o acesso ultrapassa a porta de banheiros; eles confundiram; a percepção oscila da latrina recheada à límpida água ao rosto em cachoeira pela manhã. Cristais. As reticências de uma estrela morta dependurada na orelha de um anjo, ou no dedo de uma flor; cristais. O reluzir em uma madrugada sem cantos e uivos.

Diante dos fatos, é importante saber como se relacionar com a existência de múltiplas perspectivas e o respectivo poder de relevância para o público. Seja pela facilidade estética ou pela complexidade reverberante. Os mecanismos de comunicação disponíveis escravizam-nos à ansiedade de consumir e produzir conteúdo. A inteligência artificial, criada para ser o piloto automático do ser social, aos poucos nos domina, domestica e castra.

O calendário dita o ritmo dos acontecimentos que se renovam. As características semelhantes nos tornam invisíveis. As peculiaridades dos sorrisos nos provoca reticências. Fechar os olhos também funciona. O processo de identificação e satisfação alterna como a agenda dos noticiários. O enredo é o mesmo, agimos da mesma forma, a mesma metalinguagem, a crítica, as análises, os artigos, as orações; mudam-se nomes e o tempo. Repetimos, nos orgulhamos e achamos necessária esta repetição.

Receite aí: momentos de carinho, filmes, caminhadas, corridas, sorrisos, cheiros e sabores. Movidos a prescrição, insistimos no leito da civilização infeliz. Entretanto, conhecemos os artifícios para sermos felizes. Ditados, jargões e ponta de faca. Haja punhos. Nossa essência é revelada pelos farelos que dispersamos no ambiente.

Publicado também em minha página na obvious: http://obviousmag.org/rumos/2015/08/nossas-pegadas.html#ixzz3hqUNMVTo

sexta-feira, 12 de junho de 2015

anjo - plumas da noite


Não fantasia; mas a complexidade de um sentimento simples...


São os passos que anunciam o poema de uma noite úmida.
Meu silêncio perpassa os sonhos, sabores e aromas; perfumes das cores.
Meus olhares procuravam os seus,
sorrisos se encaixavam, toques se completam no horizonte.
Sua nuca, minha torre de marfim. Teus sons, gemidos ritmados, sentidos e sentimentos apurados.
Minhas mãos em seus cabelos, minha firmeza com sublime e intenso sentimento pelo seu dorso, sua cintura, montes e abismos; meu oasis.
Seus suspiros no meu respiro,
seu suor nos meus poros,
e o sabor de poesia na prosa de uma vida bela.

domingo, 26 de abril de 2015

IdeIa

IdeIa

Olhares perpendiculares refratam meus sentimentos. Flores excepcionais perfumam a paisagem e presenteiam o olhar com cores delicadamente escolhidas. Suor extraviado, o corpo em movimento desagua nos sonhos, longe da rima, das mágoas de seus lençóis. Intocada pétala flutua pela praia deserta de pessoas, repleta de suspiros. Olhei no fundo dos olhos da miragem; desanuviou minha névoa. Protegida das fagulhas, o contraste te enaltece.

Personagens sem nome, roteiro sem fala. Diálogo clichê de corpos sem palavras. Ele gostava de pensar, tropeçava ao escrever. Ela não sabia o ler.

Era a ideia.
Sem corpo, com todos; sem voz.
Sempre audível, com textura, suor e abstrato.
ideia.

e a ideia, como pluma
complexa intensa,
repousa e paira
fantástica ideia,
permeia todo o ser que sou.

Dissipado pela instabilidade das sensações, o corpo é um barco à deriva. E o dia nasceu com a magia de sempre, a sutileza de ser magnífico desde os detalhes. Circulo por eles percebendo ser mais um, uma fagulha à beira do iminente incêndio transcendental. Aquele que não queima, mas aquece, purifica, faz arder as ideias de forma a impulsionar ações; atitudes calculadas. No limite do desejo, sonho e realidade. Fronteiras permeáveis. Onde um desagua no outro. Saliva. As incertezas não coexistem, quando as mãos se tocam ao acaso.

A paisagem é dinâmica aos olhos estáticos. O remanso da vida, a crueldade de instigar reação ao que há muito estava silenciado e posteriormente temperar com fel o silêncio dos sorrisos e olhares. Tocar por meio das palavras é tão fácil. Todas as palavras estão postas, basta colocá-las para dançar, ornamentá-las de possibilidades, submetê-las à sinfonia das frases, entrelinhas e sentidos, significados. O estouro dos significantes na noite dos desesperados. "They shoot in horses, doo't they?" Quando o desejo é mais do que impulso, uns chamam amor, outros versam loucura... eu sinto!







terça-feira, 7 de abril de 2015

Redes Orkutizadas - o Espelho de nossa vanguarda


Imagem: Ben Hopper


A contínua renovação das plataformas de comunicação não significa evolução humana e dos processos de produção de conteúdo, interpretação e desdobramentos possíveis.  A tão proclamada vanguarda sucumbe não ao ineditismo e novos padrões de percepção, mas à consolidação de paradigmas. Na verdade, submetidas ao tempo de uso, as plataformas refletem a estagnação dos usuários em expandir fronteiras do processo de comunicação. Reforçam aspectos sociais e funcionam como uma lente de aumento nas atitudes dos indivíduos.

Um automatismo é percebido no perfil de comportamento dos usuários. A manifestação pública é padronizada nas mídias sociais, independente se elas (mídias) são específicas para assuntos profissionais, pessoais, textos, fotos, e etc. O padrão de comportamento que tornou cansativo e obsoleto o Orkut, tem sido verificado não apenas no facebook, mas também no Linkedin e até mesmo no twitter e fóruns temáticos. A infantilização de postagens, a agressividade da linguagem de mensagens ideológicas, ou a avalanche de pílulas de auto-estima. Verifica-se mais um processo de busca por audiência do que por aprimorar relacionamentos via plataformas digitais.

O respeito é o mito na interação nas redes sociais digitais. A frequente imposição de versões dá o tom de um diálogo que mais parece um monólogo diante do abismo do que uma roda virtual de conversa. Este processo, tão repudiado pelos usuários, é o que os representa. Após orkutizarem o bate papo da praça, a interação no o ICQ, no MSN, no Face, a maioria segue com a massa para o próximo hospedeiro, tornando obsoleta a plataforma antiga. Neste ínterim, o Google Plus ainda é um território não contaminado pelo automatismo social, e, portanto, tem possibilitado mais leveza e fluência à interação com temas específicos; por enquanto.

Cada vez mais, acredito que a vanguarda do fazer comunicação está em revisitar os primórdios, resgatar a essência da comunicação no ato de conceber sentido, significado, mensagem e interação; ao invés de se entregar às possibilidades superficiais das novas tecnologias e novas redes. É preciso um mergulho profundo, potencializar as plataformas e possibilitar mais respiro do que sufoco ao ser humano, suas tradições, valores, ideologias e sonhos. Talvez esta seja a pauta em constante renovação, capaz de mudar o reflexo que temos apresentado.
...

Avante
despertado o sentimento flui 
angustiado o tempo perde o compasso
o corpo se contorce
nus unimos

...

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Poros

Com seu modo de se impor, de me olhar do alto, de me iluminar, a lua conduz até si meu olhar. Notas musicais passam a ter um especial sentido. Frases sem palavras tocam intensamente, fazendo do corpo um instrumento. Momento nenhum pedi a sensibilidade, o humor e o romantismo. Não solicitei as palavras, as percepções nem outro aspecto. O porquê não me revelado foi. Mas, sempre mas, regurgitamos sinais de pontuação, de sonho, angústia e amor. Chega de doces, quero teu abraço; chega de sorrisos, quero teus beijos, intensos, delicados, ousados, contínuos. Chega de anseios, quero futuros nossos no presente. Cale meus versos com seus poros nus meus. 

E o tempo me escapa pelos poros. Recluso, renovo a verdade num silêncio, renovo o personagem para o externo social.


terça-feira, 31 de março de 2015

todo?



Ambições sinceras mantêm o sangue circulando pelos sonhos. Durante a trajetória, toda relação acontece por interesse. Todo brilhantismo é pautado pelo plágio. Toda declaração de amor é substanciada pelo clichê, pela vontade de realizar e alcançar uma projeção. Todo conflito poderia ser evitado, mas o sangue e a dor sobrepõem a paz e calmaria. Toda palavra poderia ser contida. Mas o discurso de impacto e uma discussão silenciada com uma frase fatal alimenta o ego. 

Todo sofrimento é único e paradoxalmente o maior do mundo. Todo poema carrega algo que não está nos versos. Os dias possibilitam bem mais do que percebemos e menos do que esperamos. Todo umbigo é o centro do mundo; e o mundo deveria ser chamado de tempo. Textos carregados de mesmas palavras, porta-retratos recheados das mesmas histórias. 

Tão universalmente pessoais, as músicas são o refrigério de quem sente, a fuga de frases silenciosas; e o sentimento... Ah, é aquele filme instigante o qual não vimos o final, ou não lembramos.

...

Se todo ao meio sou
Sê tu o esquerdo à felicidade
Sua o que sentes sejas pleno
Se caco, inteiro ou sonho
Permita a si

Novas (?) Narrativas Jornalísticas


Ilustração: Ramon Bruin
Não sei se nova é a narrativa, a linguagem jornalística, o olhar, ou ainda assim o tempo. Antes o ideal era a câmera não tremer e as frases serem bem concatenadas. Agora tentam vender realidade viva. Algo que pulsa incontrolavelmente. Tanta espontaneidade que chega a parecer um espetáculo de dança contemporânea. O imprevisível é parte do enredo, está no script do espetáculo midiático.
A inquietação é premissa para a evolução. Nesse sentido, os programas de TV têm buscado inovar na maneira de narrar e de fidelizar o público. Seja por meio dos milhares de “cozinha com fulano” que tentam sofisticar, naturalizar, ou tornar rústico o ato de preparar alimentos e se relacionar com eles; ou nos programas de esporte que tentar levar adrenalina aos pilotos de tablets e controles remotos, lembrando até da metalinguagem de programas como A Liga e Profissão repórter. A linha entre o interessante, eficaz e o cansativo é tênue. É preciso destreza para caminhar sobre ela.
Dentre as várias tentativas, algumas são bem interessantes (mas não inovadoras). O Mundo segundo os Brasileiros, produção independente (produtora holandesa/argentina - Eyeworks) disponível em canal no Youtube e transmitido pela Rede Bandeirantes, há 5 temporadas (desde 2011) apresenta a narrativa pelo viés de quem vive o espaço e transmite a própria impressão a respeito do lugar, do tempo, da história, das referências.

Um texto praticamente documental estilo história oral, aquela conversa informal de quem quer contar suas experiências em um novo território. Trata-se se um formato sem protagonistas fixos; alterna-se os narradores, guiando com a câmera, nos contando histórias oficiais e impressões de estrangeiros andarilhos. Baseada no original argentino Clase turista: el mundo  según los argentinos, a série é dinâmica e perpassa desde os principais pontos turísticos a pontos pouco conhecidos do globo.
Cidades invisíveis erguem-se à medida que significados são repassados ao espectador. Forçando um pouco as vistas, dá para imaginar o Marco Polo contemporâneo revelando as nuances das cidades, ou o estrangeiro de Camus andando pelo mundo, contaminando-o e sendo contaminado por ele. E como brasileiro é um povo espalhado pelo planeta, matéria-prima não falta ao programa.
Iniciativas assim precisam se alastrar pela TV aberta, mas essencialmente necessitam estar alinhadas com o conteúdo multimídia, considerando o comportamento de consumo de informação e a disponibilidade dos meios; expandindo assim a acessibilidade ao conteúdo, novos campos para reflexão e seu desdobramento.

Publicado também no Observatório da Imprensa
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed844_novas_()_narrativas_jornalisticas

terça-feira, 17 de março de 2015

Disseminar e verificar





A verdade que nos aflige não cabe na narrativa de um fato. As minúcias de uma apuração, que podem determinar o rumo das interpretações subsequentes, não estão evidentes nas curtas linhas. Menos ainda nas fotos e respectivas legendas. Quando os textos trazem declarações de autoridades então, o pandemônio dos dados é assustador. Seja em cenários de crises ou durante eleições, as declarações das fontes oficiais nem sempre contribuem para o indivíduo estar informado, mas de modo recorrente atrofia a percepção pública com elementos confusos, interferindo na narrativa.

Iniciativas como a do da organização argentina "Chequeado" (Site que verifica a legitimidade dos discursos de autoridades), estabelecem-se como mais uma estratégica para não absorvermos "opiniões" traduzidas em informações pseudo-isentas. Em essência, o serviço prestado por eles é o modus operandi que todo leitor deveria ter (principalmente e não somente, durante eleições e posicionamentos oficiais): cruzar informações do discurso com matérias já divulgadas e com dados disponíveis nos canais de transparência. Cabe ao leitor, antes de confiar, buscar resquícios dos fatos e confrontar versões. Sempre. Embora seja um processo cansativo (considerando o ritmo de vida), é ainda o menos ineficiente.

Nesse percurso, o leitor perceberá como muitos conteúdos são replicados em diversos veículos de comunicação. A ocorrência é tanto fruto do compartilhamento (autorizado ou não) de conteúdo, quanto o resultado de uma assessoria de imprensa com interferência em massa. Sobre o compartilhamento de conteúdo, interessante o que aconteceu com jornais de seis países da Europa. Fizeram parceria para promover a troca de conteúdo e pesquisas em comum entre eles na denominada Aliança Europeia de Jornais Líderes (Leading European Newspaper Alliance). Acredito ser uma estratégia interessante para otimizar recursos (reduzir custos de produção), mas sua operacionalização não pode engessar a narrativa em apenas uma direção. Funcionaria no Brasil tanto com veículos pequenos quanto com os grandes? De forma quase que underground alguns repórteres compartilham pautas, ou premissas de pautas e fontes, em um processo mais de negociação de informações do que de enriquecimento de narrativa e redução de custo de produção.

No universo paralelo, o Governo Federal insiste e nos bastidores tenta afinar o argumento para estabelecer regras para o funcionamento da mídia; a famigerada regulamentação da imprensa. Antes de implantar uma ação de controle para promover a responsabilidade narrativa aos veículos e interferir no que ainda há de liberdade, é importante consolidar os dados emitidos em declarações oficiais e o objetivo específico das respectivas atitudes. Não apenas disseminar informações e controlar o processo de produção, mas essencialmente possibilitar rastreabilidade aos dados, para que qualquer um possa verificar a legitimidade da informação de discursos de fontes oficiais e a narrativa construída pela Imprensa.
e o que não cabe no fio do olhar
como te fazer sentir?
como saber o que você sente?


- - - 

segunda-feira, 16 de março de 2015

Cristais


Sou a reticências de uma estrela morta
o anel de esperança nos dedos de um anjo
no pulso de quem ama
o fulgor de uma vida feliz.
No brilho dos seus olhos
cristais

tomou-me como um súbito vento
em uma noite de ruas vazias
poemas incompletos.
meus olhos pediam aconchego.

não se nada no abismo
quando ele está no brilho dos olhos.

não se dança a canção
que ainda não sabe que é amor.

em um tempo sem verbo
o olhar sem verso

pergunto sem esperar as repostas
pois existirão além de enigmáticas reticências

quarta-feira, 11 de março de 2015

interrompido

Então choveu, e chuvas sempre trazem mais do que água e levam mais do que parece. 
Lacrado em mim, no silêncio, um sonho e uma verdade. 
Apenas o tempo certo pode abrir, ou eternizar o silêncio.

terça-feira, 10 de março de 2015

puro sangue



Ilustração:Ramon Bruin
Somos preciosistas ou conceituais demais. O jornalismo puro sangue, assim como o ser humano puro sangue, é figura de um folclore de um tempo sem parâmetros de referência, onde tudo o que surgia, rompia paradigmas e se estabelecia como o novo, a referência. O "sangue" do jornalismo funciona como um rio rumo ao mar. No caminho, ao longo do tempo, recebe interferências de seus afluentes, e também das condições geográficas do trajeto. E nesta narrativa, um rio sem afluentes não sobrevive às crises hídricas.

A mutação que encontramos atualmente nas redações é fruto do turbilhão tecnológico (que torna mais ágil o acesso, produção e disponibilização de conteúdo), juntamente com a alteração do modelo econômico (fôlego financeiro dos veículos). Percebemos a intensificação de jornalistas nas assessorias de comunicação, o surgimento de veículos segmentados (vários para cada assunto) e as tentativas de negociação financeira de conteúdo.

Entretanto, as faculdades entregam focas ao mercado e o mercado cada vez mais sufoca os profissionais. Trocadilhos infames são instantâneos diante de uma realidade cada vez mais clichê. Recentemente (janeiro) O jornal O Estado de Minas, promoveu um corte em seu quadro de funcionários (11 jornalistas). A TV Bahia (março) mais 37 profissionais. O Estadão (fevereiro) mais de 10. IstoÉ Gente é fechada e Editora Três demite 20% das redações. A conta pelo país só cresce; parece acompanhar a evolução das demissões no setor industrial. Trata-se de uma questão econômica e administrativa do país ou uma estrutura atrofiada dos veículos?

Muito se fala da estrutura das narrativas (que tem se distanciado de um tal "puro sangue"), das interferências causadas pelo repertório que se sobrepõe e o tempo de dedicação que se esvai. No entanto, é preciso analisar todos os aspectos que compõem a produção da narrativa. A infraestrutura (condições das redações) e a psicológica (a relação entre pressão e produção, estresse, capacidade de percepção, fôlego em apurar e narrar, dentre outros).

O contexto social pede outro modelo de narrativa ou ele soterrou o modelo ideal de apurar e narrar, sem se perder nas facilidades da modernidade e forca dos bolsos? Mas do que respostas definitivas, o fazer jornalismo deve prezar pela continuidade, inquietude em questionar e versatilidade em propor reflexões que podem ou não serem respostas. Dessa forma, ao invés de cair no arcabouço político e empresarial, o jornalista consegue tornar mais perceptível a essência de fatos polêmicos que ganham apelidos de mensalão, petrolão, dossiê multicolorido, e tantos outros. A busca pelo jornalismo puro sangue está em saber fazer uma transfusão periodicamente, sem esquecer-se de também doar e às vezes até sangrar. A interação social, a sobreposição de versões, percepções e tempo aprimoram o DNA do jornalista (e do indivíduo) para a sobrevivência e não para ser uma obra de Dali.

Disponível também no Observatório da Imprensa -  http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed841_jornalismo_puro_sangue_()

---
canalha afiado como a rima
o sangue não se contém nos versos
viver o amor no fio da navalha
as lágrimas extrapolam 
---