Cinema. O que o define? Fotografia (real) ou a montagem? Ao considerar que real é a sobreposição de montagens, é possível perceber que para existir cinema é fundamental a fotografia, o real. Pois a fotografia é a montagem de um real que não é mais (Agora já passou, Arnaldo). Essencial compreender que real e verdadeiro não estão, neste caso, ligados à pureza e neutralidade, mas em versões. Toda versão, manifestação humana, acontece por meio de uma narrativa, que por sua vez é construída a partir do repertório do indivíduo. O real é a interação e ruptura das narrativas dos indivíduos no mise en scene que forma o corpo social. Assim, o cinema recolhe amostras deste cenário para estabelecer uma outra narrativa. Cinema é a fotografia expandida além das experiências convencionais de registro e representação.
Seja para atividade jornalística ou para fins audiovisuais, é preciso conhecer e reconhecer os modos de representação do documentário para lidar com o que se concebe como realidade. Entre o expositivo, observativo, interativo, reflexivo ou poético, a escolha de uma estrutura para criação da narrativa determina não apenas o rosto do trabalho, mas sua linha de interferência (absorção e reverberação das reflexões).
Eiseinstein e O sentido do filme, a manipulação de elementos para causar impressões. Uma atração a cada plano, integrando-as em sinergia para gerar a reação desejada. A cor, o ritmo, o significado pela prática. O público sendo inserido psicologicamente no roteiro de forma guiada. A máquina artística do cinema e seu funcionamento mapeado de forma que as atrações e o choque pelo ritmo recriem na tela a cultura do circo (como estrutura de espetáculo). Absorção de sensações. Ou não.
Ecoa então André Bazin e o véu de Verônica, o santo sudário comunicacional ao registar o real de forma a não controlar o processo de produção, mas ocupar o respectivo lugar de interferência no processo. Interagir com a fonte e até mesmo ser dirigido por ela. A construção conjunta de uma narrativa proporciona uma interessante leitura e interpretação das coisas e signos (e Alfred Schutz não é sandália). O leitor expande o roteiro, gera sensações à medida que absorve. O instigante operar Sistemas de relevância para se manter no fluxo social.
Esculpir o espaço tendo como ferramenta o tempo.
Psicologia/espaço = Cinema
Percepção
Fazemos cinema com os olhos, registramos não em 35mm, mas essencialmente em massa cinzenta (hipocampo e sei lá mais onde), com imagem, áudio e sensações. Catalogamos de forma intrigante, editamos de um modo transcendental. O acesso ao material é como o belo visitar uma boa videolocadora ou sebo. Somos (formamos) o real com o corpo e suas variações física, espiritual e verborrágica. A linguagem é plural. As estratégias para disseminar e recriar narrativas estão disponíveis.
Memórias decupadas expostas na mesa onde a linguagem é a régua a balizar e medir. O leitor que se quer, a narrativa a que se propõe. As narrativas friccionadas pelas diversas plataformas midiáticas disponíveis na sociedade geram muitas vezes desconforto. No limiar da incerteza, a escolha (a partir do repertório) do que se quer consumir e (re)produzir.
a terra mana leite
laços transformados pela textura das ilusões;
pedaços de carne em suspensão crua
a maciez da tranquilidade;
dois filhotes gêmeos de gazela
ternura
ideias incendeiam uma gota
chove à distância
a película do aconchego em uma flor
-